No dia em que o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o  presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, fizeram exposições  na CPI da Dívida Pública no Congresso Nacional, nas quais deram ênfase à  dívida líquida do setor público e a uma suposta independência  conquistada em relação ao receituário do FMI, o líder do PSOL na Câmara,  o deputado Ivan Valente (SP), mostrou que o país paga as maiores taxas  de juros do mundo na dívida interna. E gastou R$ 380 bilhões com juros e  amortizações em 2009 (R$ 169 bilhões somente em juros), além de  continuar, na prática, seguindo a política de arrocho fiscal e  liberalização financeira, preconizada pelo FMI. 
Por sua vez, o relator da CPI,  deputado Pedro Novais (PMDB-MA), criticou duramente o crescimento da  dívida bruta do país, lembrando que os juros e amortizações pagos  equivalem a 5,7 vezes o Orçamento da Saúde para este ano (R$ 66,9  bilhões). 
Contabilidade errada 
O economista Rodrigo Ávila, da  Auditoria Cidadã da Dívida, esclareceu que o critério de dívida líquida  esconde a verdadeira dimensão do endividamento público: "Basicamente, a  diferença entre dívida bruta e líquida está nas reservas, contabilizadas  como ativo, mas cujo carregamento custa R$ 40 bilhões por ano; no uso  do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) como ativo do governo, quando na  verdade pertence aos trabalhadores; e nos empréstimos, em títulos  públicos do Tesouro para o BNDES, que já totalizam R$ 130 bilhões",  listou Ávila.  
Segundo ele, emprestar ao BNDES não  representa um problema, mas os juros são tão altos e os prazos tão  curtos que a diferença entre o que o Tesouro paga e o que o banco recebe  é muito grande, impactando fortemente as despesas públicas. 
Os cálculos do professor Ricardo  Bergamini, da UFSC, corroboram a opinião de Ávila. Segundo o professor  catarinense, em 2009 a dívida bruta totalizou 68,35% do PIB, enquanto o  governo, insiste em que a dívida líquida oscila em torno de 41%. 
"A principal crítica aos ativos do  governo é que eles não podem ser usados para o pagamento de obrigações  do governo", destacou Ávila. 
Dinheiro da privatização 
Já o economista Dércio Garcia Munhoz,  da UnB, ponderou que, após a instituição de leilões de títulos no  mercado aberto, nas chamadas operações compromissadas, o governo passou a  pagar juros superiores à taxa básica (Selic) sobre uma parte da dívida,  não declarada, que já se aproxima de meio trilhão de reais: "E a  deflação do IGP-M ainda elevou em dois pontos percentuais a remuneração  dos especuladores", acrescentou. 
Os números do BC confirmaram a  informação do professor da UnB: o custo médio de carregamento da dívida  interna da União em 2009 foi de 0,8499% ao mês (10,69% ao ano), com  ganho real para os investidores de 0,9915% ao mês (12,57% ao ano),  depois de incluída a deflação média/mês do IGP-M de 0,1416% (1,7125% ao  ano). 
Munhoz disse, ainda, que na dívida  líquida estão descontadas as dívidas dos estados e municípios e o lucro  das estatais: 
"O financiamento aos estados e aos  municípios foi feito com dinheiro da privatização. É um haver, mas no  conceito de dívida líquida, foi contratado com juros e prazos diferentes  - situação semelhante à dos repasses do Tesouro ao BNDES. Além disso,  esses haveres não têm liquidez", disse, acrescentando que o superávit  primário (economia para pagar juros) está muito aquém da despesa  efetiva, que acaba ajudando a aumentar a dívida. 
Nova escravidão 
Esse quadro, para o economista  Adriano Benayon, também da UnB, configura uma "nova escravidão". Benayon  calcula que a União despendeu de 1988 a 2007 R$ 4,5 trilhões no serviço  das dívidas interna e externa, em valor atualizado a preços de 2007,  por juros, encargos e amortizações, não contadas a rolagens: 
"Acrescentando a despesa de 2008 e  2009 e atualizando tudo em preços de dezembro de 2009, o gasto  acumulado, de 1988 a 2009 com o serviço da dívida ascendeu a R$ 5,7  trilhões", criticou, ressaltando a aceleração do processo de  endividamento. 
"A elevação foi de 15%, de 2007 para  2008 (R$ 280 bilhões), e de 35%, de 2008 para 2009 (R$ 380 bilhões), em  preços correntes", contabilizou, frisando que a carga tributária cresceu  51% desde 1989, sem, porém, oferecer, em contrapartida, serviços  públicos de qualidade ou mesmo um efetivo controle do endividamento:  "Muito pelo contrário", criticou. 
Com relação ao endividamento dos  estados e municípios, Benayon disse que pagam juros extorsivos à União:  "Em valores de dezembro de 2008, os estados receberam R$ 184,98 bilhões,  pagaram R$ 119,49 bilhões e ainda estão devendo R$ 320,25 bilhões. Um  formidável subsídio dos estados à União de R$ 254,76 bilhões", comparou. 
Dívida interna x externa 
Outro problema destacado pelos  economistas é a semelhança entre os montantes das reservas cambiais e  das operações compromissadas do BC no mercado aberto, que se aproximam  dos R$ 500 bilhões. 
As duas juntas geram despesas de R$  80 bilhões por ano, equivalente a quatro Orçamentos do PAC na União. No  entanto, Rodrigo Ávila esclareceu que as operações compromissadas,  embora não apareçam nos boletins do BC, estão corretamente  contabilizadas como passivo na hora de calcular a dívida líquida: 
"O problema, mais uma vez, é o custo  representado pelos juros. Entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2010,  essas operações foram as principais responsáveis pelo crescimento da  dívida líquida. Como percentual do PIB, eram 10,8%, em 2008, e hoje já  chegam a 15,6%. Ou seja, 44% de aumento em relação ao PIB", salientou,  apontando a troca de títulos públicos por dólares que engordam as  reservas como a principal causa desse crescimento. 
O raciocínio de Paulo Passarinho,  conselheiro do Corecon-RJ, vai na mesma linha. Segundo ele, Mantega  "desprezou fatos históricos banais" em seu depoimento: 
"A adoção da política monetária  baseada no modelo de metas inflacionárias, a política fiscal com o  objetivo de se alcançar pesadas metas de superávit primário e o regime  de câmbio flutuante - características da atual política macroeconômica -  foram exigências do último acordo celebrado com o FMI, ainda no tempo  de FH", disse, enfatizando a relação entre o acúmulo de reservas e o  crescimento da dívida. 
"A dívida interna em títulos do  governo federal ultrapassa hoje os R$ 2 trilhões. Quando Lula assumiu o  governo, em janeiro de 2003, era de R$ 687 bilhões. Lembremos que, em  janeiro de 1995, quando do início dos governos de FH, a dívida era de  apenas R$ 59,4 bilhões", contabilizou, acrescentando que, em 2009, o  Brasil pagou juros reais positivos de 12,57% ao ano e recebeu das  aplicações das reservas juros reais negativos de 3,8% ao ano (juros zero  para inflação norte-americana de 3,8% ao ano): "Um ganho real para o  mercado financeiro internacional de 16,37% ao ano." 
Oligopólio 
Em seus depoimentos à CPI da Dívida, o  ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BC, Henrique  Meirelles, divergiram em um ponto: Mantega criticou o custo excessivo  dos empréstimos bancários. Meirelles rebateu, afirmando que a Selic, que  ainda pode subir no fim do mês, teria sido importante para manter a  inflação sob controle, preservar o poder de compra da população e  garantir o crescimento sustentado do país. 
Mantega, porém, lembrou a  oligopolização do setor financeiro brasileiro, no qual os seis maiores  bancos dominam cerca de 80% dos empréstimos e financiamentos.
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