sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Liberalismo e Modernidade: as revoluções intelectuais e políticas do séc. 18. Compondo uma bibliográfica alternativa

Ensaios sobre a Pós-Modernidade de Direita nº 26

por Almir Cezar Filho

Uma velha dica de roteirismo: se há problema no terceiro ato, volte ao primeiro ato.

Nos últimos 18 meses, em meio a muitas e muitas outras leituras, encarei o desafio de montar e ler um catálogo alternativo e crítico sobre a edificação do pensamento e da ordem social Moderna baseada no Liberalismo. Explorando as revoluções intelectuais e políticas do séc. 18 em base a um bibliografia alternativa.

O desafio surgiu, à medida que, eu ficara instigado com o destaque que ganhara na conjuntura uma nova direita, avivada, com pautas distintas daquela consagrada no século XX e com um forte viés liberista, mercadista, ultralibertariano, que colocam o neoliberalismo no "chinelo". Mas que contêm fortes críticas às liberdades individuais não econômicas e uma repúdio aos Direitos Humanos.

Sem a necessidade de reler as obras consagradas das escolas Austríaca, de Chicago/Monetarista, da Oferta e de Escolhas Racionais  - que as tinha lido, quando mesmo já as tinha em meu acervo pessoal. O objetivo não era analisar essa matriz em que essa Nova Direita se referência (se no todo, senão em parte, como seus próprios expoentes esbravejam), mas fazer uma correspondência crítica com o pensamento e Ordem liberal, especialmente com o momento em que ela era revolucionária - a segunda metade do século XVII, o XVIII e as primeiras décadas do século XIX.

Mergulhando nesse oceano escuro, vi que não era mar

Paralelo a essa leitura, ainda mais na fase inicial, mergulhei no pensamento dessa nova direita, especialmente a do Brasil. Acessei seus principais sites, blogs e artigos dos mais populares autores disponíveis na internet. Assisti horas de vídeos em vlogs em canais do Youtube e páginas no Facebook.

Alguns são polidos, outros são sujos, e outros paranoicos, esquizofrênicos. Conheci teses surrealistas do tipo que a Terra é plana. Daí para baixo. Onde o mesmo grupo que defende isso também valoriza o livre mercado, a propriedade privada e a tal "liberdade econômica".

Tive uma formação clássica, com leituras orientadas dos principais autores do pensamento liberal. Aos ouvi-los e lê-los veio o diagnóstico que nada disso era Liberalismo. E ainda que isso contradizia valores consensuais, mesmo fundamentais, da sociedade moderna. De maneira poética posso dizer que "mergulhando nesse oceano escuro, vi que não era mar".

Esse diagnóstico é a razão de voltar a ler à respeito da origem e da matriz de pensamento do Liberalismo, da construção da Modernidade. Construir um catalogo pessoal, um acervo referencial nessa investigação.

Uma bibliografia alternativa sobre o Liberalismo

Voltei a Adam Smith, John Locke, Voltaire, Montesquieu, J.J. Rousseau, etc., mas não era suficiente. Relê-los integralmente não seria útil e não bastava. Os autores clássicos não se debruçavam nas questões do tempo atual. Ao contrário, sua batalha retórica era contra a sociedade pré-moderna e tradicional.

A busca era justamente procurar obras mais livres, menos compromissadas, sem ou com menor sisudez acadêmica. Os livros em sua maioria foram adquiridos na livraria do programa Mais Leitura - cujos preços giram entre R$2,00 a R$7,00 e que facilitou sua aquisição.

Porém, trata-se de uma bibliografia editada recentemente, com não mais de duas décadas. Com uma linguagem mais acessível e fluente (o que permitiu minha leitura rápida) e repleta de descobertas arquivística e de confrontação historiográfica recente. E visa a um público leitor contemporâneo, e portanto, com várias aproximações com a realidade atual.

E como podem ver, a maioria dos livros são biografias históricas de intelectuais e lideranças políticas, apesar de não me centrei em livros consagrados a respeito de autores e do período. Sua vida e obras; suas lutas contra o Antigo Regime, contra o tradicionalismo e ante-modernidade. Eram tempos heroicos que não se lutava contra ou pela restauração da Ordem Burguesa, mas pela sua implantação.

Não convencional e Pós-Moderna

Um outro diagnóstico também surgido no início das investigações era que essa nova direita tem os mesmo pilares, e é fermentada pelas mesmas bases, do que muitos intelectuais atuais chamam de Pós-Modernidade. Com base a meu conhecimento e leitura da produção intelectual a esse respeito. Identifiquei que, em muitos casos, se comportam correspondente, senão equivalentemente ou mesmo iguais a Esquerda Pós-Moderna - pelo menos naquilo que é criticada a respeito dela.

Apenas passei os olhos em Zymunt Baumol e outros que tratam da Pós-Modernidade e do fenômeno Pós-Moderno, considerando como dado esse processo disseminado no pensamento coletivo contemporâneo. Mas que a Pós-Modernidade não é uma ruptura, menos ainda uma superação, da Modernidade, mais uma etapa dessa, mas cujo aspectos progressivos, positivos diminuem, morrem, restando-lhe apenas os negativos.

Tomando como régua para esse juízo a possibilidade de dotação à emancipação humana ou não. Essa sociedade emerge, ou melhor, esse zeitgeist geral conformasse, isto é, esse conjunto de valores gerais da sociedade, no crepúsculo, na senilidade dessa sociedade de ordem burguesa, do auge decadente do Capitalismo como sistema social.

A pesquisa acabou reforçando a perspectiva que essa Direita é sim Nova, pois não se vinculada a Clássica e Neoclássica, e é Pós-Moderna, pois não se vincula aos valores da Modernidade. Por isso mesmo essa Nova Direita, por um lado, rejeita a Direita clássica e lhe disputa o espaço político e intelectual, em muitos casos de maneira agressiva. E, por outro, age tão ou mais agressivo com as Esquerdas, identificando nelas um dos principais fatores da decadência da sociedade ocidental contemporânea.

 Mas curiosamente, rejeita as bases da sociedade contemporânea de matriz Modernista. Negam a diversidade, a multiculturalidade, os direitos fundamentais universais, as garantias democráticas, a solidariedade institucional. Pilares que os pensadores liberais e liberais-conservadores tanto se debruçaram e lutaram naqueles séculos. Em comum com os clássicos apenas o individualismo e o livre-mercado pervertida. A própria meritocracia foi ressignificada em uma defesa da desigualdade natural dos homens.

Onda Conservadora ou Despreparo da Esquerda

A produção intelectual dos grandes pensadores liberais clássicos não encontra mais respaldo nas duas últimas décadas do século XX e essas duas décadas do XXI, a sociedade é outra, as barreiras são outras. Antes o inimigo era o Antigo Regime. E hoje? O regime é o Liberalismo, a Democracia, o Estado de Direito. Obviamente que a crítica dessa nova direita não se basearia em Marxismo, numa crítica à propriedade privada e nos privilégios de classe da burguesia. Ao ataque contra a regulação de mercado, os direitos humanos, a assistência social, a democracia eleitoral, etc.

Esse então é susto da Esquerda e da Centro-Esquerda (e de parte da Direita). Não conseguiu identificar essa Nova Direita como uma Direita e de novo tipo, pós-moderna. Pasma e assustada a encarou como produto de uma "Onda Conservadora".

Esquece os anos de Neoliberalismo e de desnaturação da Esquerda. De estigmação e dilapidação do Estado de Bem-Estar Social. Como também o fenômeno do pós-Modernismo em suas próprias fileiras. Cujos valores da Modernidade também foram corroído. Porém não é se reafirmando nesses valores que impediremos a barbárie perpetrada por esse Nova Direita.

A Onda Conservadora acomoda os ativistas e militantes de esquerda. Dá-lhe a perspectiva de uma "Roma" se deparando uma "horda de bárbaros". Ou revive sem o mesmo contexto a luta contra o nazi-fascismo das décadas de 1930/40 ou o Marcarthismo da década de 1950/60. Desarma a Esquerda a lidar com o programa, a propaganda, as ações e a base seguidora dessa Direita Pós-Moderna.

É preciso aprofundar o estudo do fenômeno pós-moderno e seu rebatimento no outro lado da trincheira. É preciso voltar aos clássicos e a época que eles eram revolucionários. Seria bom seguir uma velha dica de roteirismo: se há problema no terceiro ato, volte ao primeiro ato. Foi o que fiz. Espero que o restante da esquerda também o faça.

Segue a lista de livros:
  • BUCHAN, James. O autêntico Adam Smith: vida e obra. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
  • EDMONDS, David. O cachorro de Rousseau: como o afeto de um cão foi o que restou da briga entre Rousseau e David Hume. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
  • FRIEDMAN, Benjamin M. As consequências morais do crescimento econômico. Rio de Janeiro: Record, 2009.
  • GLEESON, Janet. O inventor do papel: a verdadeira história do pai das finanças modernas. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
  • HITCHENS, Christopher. "Os Direitos do Homem" de Thomas Paine: uma biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
  • JOHNSON, Steven. A invenção do ar: Uma saga de ciência, fé, revolução e o nascimento dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
  • JUDT, Tony. Passado imperfeito: um olhar crítico sobre a intelectualidade francesa no pós-guerra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
  • MERQUIOR, José Guilherme. O Liberalismo - antigo e moderno. São Paulo: É Realizações, 2014.
  • MESQUITA, André Campos. Comte: sociólogo e positivista. Coleção pensamento e vida. São Paulo: Editora Escala, 2012.
  • O'ROURKE, P. J. A riqueza das nações de Adam Smith: uma biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
  • RAS, Joseph. A moralidade da liberdade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
  • SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e Corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
  • SCURR, Ruth. Pureza Fatal. Rio de Janeiro: Record, 2009.
  • WORLOCH, Isser. Napoleão e seus colaboradores. Rio de Janeiro: Record, 2008.
(Atualizado em 28/08/2017 às 16h32)

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