sexta-feira, 28 de junho de 2013

A União tem os R$ 115 bi para atender os manifestantes em saúde, educação e mobilidade

Recursos adicionais até 2020 existem, bastam vir dos juros, superávit e desonerações

Mobilizações exigem  mais saúde, educação e transporte 
por Almir Cezar

A grande mídia, em seu habitual fiscalismo, ataca que para atender às demandas dos manifestantes por todo o país serão usados em projetos nas áreas de saúde, educação e mobilidade urbana, a União gastaria em recursos a enorme quantia de R$ 115 bilhões até 2020. Ao apresentar esses números, o jornal Valor Econômico na verdade, tendenciosamente, questiona da onde a União retiraria esses recursos para cobrir esses valores, e se adotado afetaria o "rigor orçamentário".

Contudo, tomados como verdadeiros esse montante, ao analisarmos o orçamento da União, verifica-se que apenas em 2013 há recursos suficientes para arcar com esses despesas adicionais. Tanto no pagamento dos juros da dívida pública, que neste ano consumirá mais 8 vezes desse valor estimado pelo Valor Econômico. Como no superávit primário, que o governo programa poupar a mais do previsto no orçamento geral da União para juros, de 93% do montante de gastos adicionais na saúde, educação e mobilidade para os próximos 6 anos. Por sua vez, apenas nos últimos cinco meses, as desonerações liberadas pela equipe econômica, mesmo com baixo resultado em aquecer a economia, somam R$ 9,134 bilhões, quase três vezes mais que o orçamento liberado para o ano todo com o desenvolvimento agrário (R$ 3,5 bi).

A grande mídia, em detrimento do povo das ruas, que justamente a denuncia e rechaça, fica ao lado de seus financiadores e anunciantes - banqueiros, megaempresários e multinacionais -, que se beneficiam com os juros e desonerações, que rivalizam com os gastos adicionais em saúde, educação e mobilidade urbana que o povo exige.

R$ 115 bi extras até 2020 para saúde, educação e mobilidade

Pactos anunciadas pela presidenta Dilma são materializados
com projetos em tramitação no Congresso Nacional.
O governo federal poderá ter um gasto adicional de R$ 115 bilhões até 2020 caso atenda às principais demandas de melhorias dos serviços públicos reivindicadas por manifestantes que pararam o país a série de protestos dos últimos dias.  Segundo reportagem do jornal “Valor Econômico”, a conta — em valores de 2013 e sem incluir aumento de despesas de municípios e estados —, servirá para bancar pelo menos três projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado nas áreas de transporte urbano, saúde e educação. Nesses projetos não se mexem na margem de lucro das empresas.

Um deles, conforme revela o “Valor Econômico”, é o Plano Nacional de Educação, que amplia o investimento público em educação para 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2018 e para 10% do PIB até o fim desta década. Só para atender esse programa, diz o jornal, a União terá de gastar R$ 71 bilhões a mais com educação até 2020.

Na saúde, o custo com as ações teria um aumento em R$ 40 bilhões com dois projetos que têm praticamente o mesmo conteúdo. Ambos preveem que o governo federal aplicará anualmente o montante equivalente a 10% de suas receitas correntes brutas.

Outro projeto, já aprovado pela Câmara, cria incentivos para o transporte urbano de passageiros. Reduz a zero o PIS/Cofins na aquisição de insumos de transporte e propõe desconto de 75% sobre as tarifas de energia para metrô, trem e trólebus. Esse projeto, afirma o “Valor Econômico”, exigirá renúncia de receita de R$ 3,9 bilhões da União.

R$ 108 bi de superávit primário para juros em 2013

O Diário Oficial da União publicou em 03/05 o decreto de programação orçamentária e financeira de 2013. A publicação cumpre as Leis de Responsabilidade Fiscal (LRF) e de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013, que determinam a publicação do cronograma até 30 dias após a sanção da Lei Orçamentária Anual de 2013 (LOA-2013). O decreto apresenta um cronograma preliminar que considera as dotações previstas na LOA-2013 distribuídas ao longo do ano, com valor parcial até agosto.  Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a receita total prevista ficou em R$ 937,4 bilhões, sendo a receita administrada pela Receita Federal estimada em R$ 754,785 bilhões. A receita líquida está prevista R$ 732,521 bilhões.

No decreto, a meta de superávit primário (economia extra de recursos para o pagamento de juros a mais do que o orçamento já previa) deste ano ficou em R$ 108,091 bilhões para o Governo Central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), o que corresponde a 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB), muito próximo dos R$ 115 bi estimado pelo Valor Econômico.

A título de comparação, é um montante maior do que os movimentos sociais organizados exigem de fixação dos gastos em políticas públicas para transporte público e mobilidade urbana na porcentagem de 2% do PIB. Por sua vez, os gastos previstos com Saúde no Orçamento Geral da União são de R$ 85 bilhões e com Desenvolvimento Agrário (reforma agrária, desenvolvimento rural e agricultura familiar) meros R$ 5,2 bilhões, com os bloqueios  do decreto de programação orçamentário restaram apenas R$ 3,5 bi, portanto ambos menores que o valor do superávit primário.

O superávit primário do setor público consolidado - governos federal, estaduais e municipais e as empresas estatais - ficou em R$ 5,681 bilhões, em maio, de acordo com dados divulgados hoje (28/06) pelo Banco Central. Nos cinco meses do ano, o Governo Central (Banco Central, Tesouro Nacional e Previdência Social) registrou superávit primário de R$ 32,304 bilhões, enquanto que os governos estaduais apresentaram R$ 12,424 bilhões e os municipais, R$ 2,823 bilhões. As empresas estatais tiveram déficit primário de R$ 821 milhões, de janeiro a maio deste ano.

Contudo, o esforço fiscal do setor público não foi suficiente para cobrir os gastos com os juros que incidem sobre a dívida. De janeiro a maio, as despesas com juros ficaram em R$ 100,466 bilhões. Em 12 meses encerrados em maio, esses gastos chegaram a R$ 219,421 bilhões, 4,83% do PIB. Com os gastos com juros maiores que o superávit primário, o setor público registrou déficit nominal de R$ 53,737 bilhões, nos cinco meses do ano, e de R$ 130,605 bilhões ( 2,87% do PIB), em 12 meses encerrados no mês passado. O BC informou ainda que a dívida líquida do setor público chegou a R$ 1,583 trilhão em maio. Esse resultado correspondeu a 34,8% do PIB, com redução em relação a abril (35,5%).

Juros consume 44% do orçamento

Os juros com dívida pública são a grande drenagem de recursos orçamentários, consumindo quase a metade deste. Na Lei de Orçamento Anual (LOA) 2013, que fixa despesas e receitas da União para o ano, a parte de pagamento para juros totaliza um montante considerável, de quase 44% do orçamento geral, quase R$ 1 trilhão anual.

Quadro do Orçamento  Geral da União 2013 com juros:

R$
%
* ENCARGOS FINANCEIROS DA UNIÃO 317.578.264.930 14,66
* RESERVA DE CONTINGÊNCIA 19.442.662.907 0,9
* REFINANCIAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA FEDERAL 607.918.292.750 28,07
* Total de pagamento com juros 944.939.220.587 43,6

Os Encargos Financeiros da União são os pagamentos dos juros com a dívida pública, e totalizam R$ 317,5 bilhões anual, quase o dobro dos R$ 115 bi estimado pelo Valor Econômico. O Refinanciamento da Dívida Pública Mobiliaria Federal são os pagamentos com a rolagem da dívida, e como se fosse o "rotativo do cartão de crédito", mais de 5 vezes o valor adicional necessário até 2020 para saúde, educação e mobilidade. A Reserva de Contingência são uma reserva para eventualidades que, em via de regra, são usados para variações inesperadas nos pagamentos dos juros.

Evolução das despesas entre 1995-2011: estagnação
nas despesas com educação/cultura e saúde/saneamento
e o explosão em gastos com juros e amortizações
Atualmente, apenas com dívida pública nas três esferas, os juros totalizam uma drenagem da riqueza nacional para os bancos e rentistas no montante de 17% do PIB anual. Se totalizarmos com as dívidas privadas, isso chega a 32% PIB, isto é, quase 1/3 da riqueza total do país, drenada por apenas 0,01% da população.

Segundo, especialistas  em orçamento e setor público e o movimento Auditoria Cidadã da Dívida, boa parte da dívida mobiliária federal contabilmente já foi paga. A própria Constituição de 1988 fixa um auditoria da dívida, contudo nunca realizada. O Tribunal de Contas da União em 2003 identificou que não há registro eficiente, sistematizado e histórico do estoque válido da dívida mobiliária federal, tanto por parte do Banco Central, como da Secretaria do Tesouro Nacional. Recentemente, o Equador realizou um auditoria soberana, resultando em uma redução para menos de 25% do estoque pago anteriormente.

Desonerações fiscais

Por sua vez, apenas nos últimos cinco meses, as desonerações liberadas pela equipe econômica somam R$ 9,134 bilhões, quase três vezes mais que o orçamento programado com desenvolvimento agrário (R$ 3,5 bi) para o ano todo de 2013. Mantido, esse nível de renúncia da arrecadação, teremos até o fim do ano, um total mais de R$ 21,8 bilhões, e em seis anos, de mais R$ 131 bi, valor muito maior do que os R$ 115 bi estimados pelo Valor Econômico exigidos para os projetos de melhorias na saúde, educação e mobilidade urbanas.

Apesar de tanta renúncia fiscal, segundo o próprio Banco Central, a economia só deve crescer 2,7% esse ano. Já, de acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que calcula o PIB, a economia brasileira cresceu 0,6% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao último trimestre de 2012. Na comparação com o primeiro trimestre de 2012, o PIB brasileiro teve crescimento de 1,9%. No acumulado dos 12 meses, a economia apresentou um crescimento de 1,2%.

Além do PIB não reagir, apesar de tanta desoneração, o balanço de pagamentos vem sucessivamente acumulando resultados ruins ou negativos, de acordo com o Relatório do Setor Externo, divulgado pelo Departamento Econômico (Depec) do Banco Central. E o dólar segue instável, mas com viés de alta, com a saída maior que a entrada. Tudo devido a redução na entrada de investimento estrangeiro direto (IED), em fuga devido a estagnação da economia, e o aumento das importações e das remessa de lucros e dividendos por parte das empresas multinacionais, remetendo recursos para suas matrizes.

As escolhas

As desonerações não evitaram a desaceleração da economia e da geração de empregos formais, que segue no último trimestre estagnado, nem foi repassado para os preços, algo que ajudaria a diminuir a pressão inflacionária, que tanto serve de pretexto para elevação da taxa de juros básica Selic pelo Banco Central.

Por sua vez, o governo apesar de saber do efeito multiplicador altíssimo na economia do gasto em saúde, educação e transportes, preferiu punir a arrecadação previdenciária e fiscal, ao fazer desonerações na folha de pagamento e dos impostos, entre outros incentivos. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2011, nenhum gasto público no Brasil contribui tanto para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quanto os que são feitos em educação e saúde. Cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. O mesmo valor gasto na saúde gera R$ 1,70. Além disso, 56% desses gastos retornam ao caixa do Tesouro na forma de tributos. Com juros acontece o inverso, para cada real de gasto público, o acréscimo no PIB é de apenas R$ 0,75. Em suma, o governo Dilma fez sua escolha.

Contudo, sabendo ou não disso, também a grande mídia fez sua escolha. Em detrimento do povo nas ruas, que a denuncia e rechaça nos protestos com cartazes, faixas e palavras-de-ordem, a grande mídia segue ao lado de seus financiadores e anunciantes - banqueiros, megaempresários e multinacionais -, que se beneficiam com os juros e desonerações, que rivalizam com os gastos adicionais em saúde, educação e mobilidade urbana exigidos pelas manifestações.

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Fontes: Banco Central do Brasil (BC), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do Planejamento (MPOG), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Jornal Valor Econômico, Jornal Monitor Mercantil

(*) Almir Cezar é economista, especializado em orçamento público, planejamento econômico e desenvolvimento territorial.

Atualizado às 13h47

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