sábado, 14 de julho de 2012

Depois da queda dos juros, agora é preciso controle de capitais, se não é crise nas contas externas


Déficits das contas externas e desvalorização do real são sinais de fuga de capital



Almir Cezar
Numa sinalização do que pode representar o agravamento da crise européia, as saídas de dólares no Brasil superaram as entradas em maio segundo o Banco Central (BC). A conta de transações correntes, que registra as compras e vendas de mercadorias e serviços, registrou déficit na conta financeira em abril e é o maior resultado para esse mês. Com isso, o saldo cambial do período ficou negativo, que de certa maneira se configura uma possível fuga de capitais, resultando inclusive na recente alta da cotação do dólar. Nesse quadro, o governo vai ter de se preparar para, antes que as reservas virem pó, controlar o movimento de capitais. Assim, o Governo Dilma terá que se enfrentar com outro tabu da ortodoxia macroeconômica brasileira, o controle de capitais, sob o risco de fazê-lo obrigado após um colapso cambial.

Os números mostram tendência de redução dessas remessas. A conta de transações correntes, que registra as compras e vendas de mercadorias e serviços, registrou déficit de US$ 5,403 bilhões, em abril, informou o Banco Central. É o maior resultado para o mês já registrado pelo BC. O valor ficou um pouco acima do esperado pelo Banco Central, que era US$ 5,2 bilhões. O déficit também foi maior do que o registrado em abril de 2011 (US$ 3,598 bilhões).
Contas externas de maio
Nos 13 primeiros dias úteis do mês, o segmento financeiro (investimentos em títulos, ações, remessas de lucros e dividendos ao exterior, entre outras operações) teve déficit de US$ 5,196 bilhões. Nesse cálculo das transações correntes estão as exportações e importações (que formam a balança comercial), que registrou superávit de US$ 882 milhões, em abril, e acumulou US$ 3,319 bilhões, nos quatro meses do ano. 


Outro item da conta de transações correntes é a balança de serviços (viagens internacionais, transportes, aluguel de equipamentos e outros), que registrou déficit de US$ 3,236 bilhões, no mês passado, e US$ 12,647 bilhões, de janeiro a abril deste ano. Na conta de rendas (remessas de lucros e dividendos, pagamentos de juros e salários), houve resultado negativo de US$ 3,214 bilhões, em abril, e de US$ 9,019 bilhões, no acumulado até o mês passado. As transferências unilaterais correntes (doações e remessas de dólares que o país faz para o exterior ou recebe de outros países, sem contrapartida de serviços ou bens) registraram ingressos líquidos de US$ 165 milhões, no mês passado, e US$ 857 milhões, de janeiro a abril.


Déficit em conta corrente
Quando o país tem déficit em conta-corrente, ou seja, gasta além da sua renda, é preciso financiar esse resultado com investimentos estrangeiros ou tomar dinheiro emprestado do exterior. O investimento estrangeiro direto, que vai para o setor produtivo da economia, mas que gera lucros e dividendos enviados ao exterior, ficou em US$ 4,669 bilhões, no mês passado. O resultado está abaixo do projeto pelo BC, US$ 5 bilhões. De janeiro a março, o investimento estrangeiro no setor produtivo chegou a US$ 19,608 bilhões.

Numa sinalização do que pode representar o agravamento da crise européia, as saídas de dólares superaram as entradas, em maio até dia 18, segundo o Banco Central (BC). Com isso, o saldo cambial negativo do período atingiu US$ 1,511 bilhão. Com a disparada da cotação do dólar, o BC voltou a fazer operações de swap cambial tradicional, que equivale à venda de dólares no mercado futuro. Embora o déficit deste mês seja modesto, pode representar o início de uma fuga mais acelerada de capitais, garantida por reservas internacionais de US$ 374 bilhões.

Apesar da remessas de lucros e dividendos ao exterior ter caído 43,9% de janeiro a abril, com os juros reais brasileiros, pelo menos na sua taxa básica, marchando para níveis menos atrativos para os especuladores, e a crise mundial caminhando para novo patamar a ser deflagrado pelo efeito dominó que se segue a expectativa da moratória grega e o agravamento da crise bancária espanhola, a fuga de capitais daqui vai se acirrar. Com menor crescimento, também diminuem os lucros que podem ser enviados ao exterior. Induzindo consequentemente uma redução do investimento externo. Essa conta é afetada tanto pela atividade quanto pela taxa de câmbio.


O fechamento do semestre
Fluxo cambial fica positivo no primeiro semestre, mas resultado é menor que o de igual período de 2011. Com o resultado positivo de junho de US$ 318 milhões, o saldo da entrada e saída de dólares do país, fluxo cambial, fechou o primeiro semestre do ano positivo em US$ 22,944 bilhões, informou dia 04/07 o Banco Central (BC). No primeiro semestre do ano passado, o saldo positivo (US$ 39,833 bilhões) foi 42,3% maior do que o registrado nos seis primeiros meses de 2012.
No primeiro semestre, o fluxo cambial só ficou negativo em maio, quando as saídas superaram as entradas em US$ 2,691 bilhões. No mês passado, o segmento financeiro (investimentos em títulos, ações, remessas de lucros e dividendos ao exterior, entre outras operações) ficou positivo em US$ 1,280 bilhão. Nos seis meses do ano, acumulou saldo positivo de US$ 2,81 bilhões, uma redução de 88,1% em relação a igual período de 2011 (US$ 23,64 bilhões).
Já o segmento comercial (operações relacionadas a exportações e importações) registrou saldo negativo de US$ 962 milhões, em junho, e acumulou resultado positivo de US$ 20,134 bilhões nos seis meses do ano, com aumento de 24,3% em relação ao primeiro semestre de 2011 (US$ 16,193 bilhões). O mês de junho foi o único do ano com resultado negativo. O BC também informou que os bancos fecharam junho na posição comprada (indica expectativa de alta do dólar) de US$ 2,287 bilhões.


Fuga de capitais e controle de capitais
A fuga de capitais ocorre num momento em que o próprio Banco Central já projeta um rombo de US$ 70 bilhões nas contas externas nacionais, com previsão de serem cobertos por capitais especulativos, embora estes estejam em processo de acelerado de volta para suas matrizes, tanto por movimentos defensivos, quanto, centralmente, para cobrir rombos de investidores e empresas em seus países de origem.
Esse resultado é afetado pelo dólar mais alto no país. Isso porque o investimento de estrangeiros no país é feito em reais, assim como o lucro. Mas essa mesma quantidade de reais vai representar menos dólares. Outro fator que influencia esse resultado é a atividade econômica em ritmo mais lento.

Assim, mais importante que empreender uma batalha por trazer os juros nacionais a padrões, se não internacionais, ao menos mais baixos, o governo Dilma tem que se contrapor a outro dogma da ortodoxia macroeconômica brasileira: o controle de capitais. Com os juros reais brasileiros, pelo menos na sua taxa básica, marchando para níveis menos atrativos para os especuladores e a crise mundial caminhando para novo patamar, a ser deflagrado pelo efeito dominó que se seguirá à moratória grega, a fuga de capitais daqui vai se acirrar.

Os ortodoxos argumentarão que o Brasil possui hoje reservas internacionais de US$ 374 bilhões e que o país é um BRICS (grupo de grandes economias emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), confundindo lastro com segurança. Nesse quadro, antes que as reservas virem pó, é preciso controlar o movimento de capitais, centralmente especulativos, sob risco de ver-se diante de uma crise cambial de imprevisíveis consequências políticas, econômicas e sociais.

Será preciso coragem e determinação para enfrentar verdades estabelecidas que não mais se sustentam num mundo prestes a virar de ponta cabeça. Senão estaremos sob o risco de fazê-lo obrigado após um colapso cambial, como aconteceu à Argentina em 2001/2002. A livre mobilidade de capitais propiciou nas últimas duas décadas propiciou lucros bilionários aos especuladores brasileiros e estrangeiros e prejuízos aos cofres públicos e aos trabalhadores. É preciso encerrá-lo agora, antes que o pior aconteça.


Com informações: Banco Central e Agência Brasil

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