quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Mais sacrifícios" e queda de governos na Europa. A máscara democrática desaparece

A queda de mais um governo europeu com a inevitável renúncia de Berlusconi conta muito mais do que uma mera vitória da oposição. Até porque, em muitos casos,  a oposição exige medidas fiscais ainda mais duras, à despeito da opinião contrária dos próprios eleitores. A democracia parlamentar européia se transformou em mero condomínio partidário de gerentes pró-financistas, desaparecendo com isso a velha máscara de "democracia européia"

Berlusconi na Itália é mais um de uma longa cadeia, que incluí Portugal, Espanha, Grécia, e não sinaliza um vitória da esquerda, no seu caso - ou da direita como caso de José Sócrates em Portugal. E isso não acontece apenas nos PIGSs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) e na Itália, a própria Inglaterra foi outro grande exemplo, com a queda de Brown, do centro-esquerdista Labour Party, e a ascensão de Cameron, do centro-direitista Partido Conservador.

Por sua vez, a dupla Alemanha e França (sede dos grandes bancos) gritaram contra a proposta de convocação de um plebiscito e agora a Comissão Europeia deu um ultimato aos parlamentares gregos, exigindo compromisso com o pacote de julho, sem o que a Grécia não verá a cor da nova parcela do empréstimo. Além disso, a União Europeia praticamente  impôs um interventor como premiê, Lucas Papademos, ex-vice presidente do BCE. No caso da Itália, "sugerem" que o país desista de fazer eleições tão cedo ou antes de se comprometer com o pacote de "reformas" prometido por Berlusconi (privatizações, liberalização do mercado de trabalho, reforma previdenciária etc). Além disso, tenta empurrar outro eurotecnocrata para o posto de premiê, o ultraliberal Mario Monti, comissário europeu em duas pastas econômicas entre 1995-2004.



A democracia parlamentar européia se transformou em mero condomínio partidário de gerentes pró-financistas, desaparecendo a velha máscara de "democracia européia" - ela sempre foi, apesar da imagem em contrário, um regime a serviço da burguesia. No momento de crise, ou que os interesses do capital falam mais alto, não há como sustentar essa máscara. Primeiro os lucros, em especial dos banqueiros, e depois, muito depois, os "cidadãos". Apesar do tamanho do desemprego e da tragédia social, exige-se ainda mais medidas recessivas. Ressurgem os tecnocratas neoliberais como senhores do Estado, protetores dos negócios e do livre-mercado, "teólogos" do neoliberalismo, ignorando não apenas a vontade da população, mas inclusive seus sofrimentos.


Insaciáveis
 por Marcos Oliveira e Sergio Souto

Papandreou, nesta quarta-feira, e Berlusconi, em breve, partem sem deixar qualquer saudade. Se não existem motivos para lamentos, as saídas dos governantes de Grécia e Itália, no entanto, estão longe de serem motivos de comemoração pelas razões que os derrubaram das cadeiras. Papandreou - uma espécie de De la Rúa grego - e Berlusconi - uma versão mais radicalizada de Collor - foram apeados do poder, não apenas pela falência dos modelos que impuseram a seus país. Eles também caíram porque os "mercados" desejam "mais sacrifícios", dos outros, claro, e, ambos, com suas bases sociais esgarçadas, não servem mais à causa financista.

 Univitelinos Tão ou mais patéticos que os governos que desabam em série na Europa são as "oposições" que se preparam para sucedê-los. Em Portugal, por exemplo, o PSD, que se assume como direita, votou contra o pacote recessivo imposto pela União Européia (UE), tão somente para derrubar o governo de José Sócrates, do Partido Socialista, que cinicamente insiste em manter a sigla de esquerda. Derrubado o governo e eleito Pedro Passos Coelho, o PSD, no governo, correu a garantir à UE que as políticas que derrubaram os "socialistas" seriam aplicadas e aprofundadas pelo partido que se beneficiara do desgaste do que a aplicavam. Ou seja, na Europa, como em outras plagas, se substituiu a democracia por condomínio partidário, que, não importa qual seja o eleito, é mero gerente das políticas financistas.

Democracia estraçalhada A decisão do primeiro-ministro grego, George Papandreou, de substituir o referendo popular por um "acordão" com a mesma oposição de direita que levou o país à crise mostra que, de berço da democracia ocidental, a Grécia virou caso emblemático de falência da democracia representativa. Com a esmagadora maioria da população contrária à submissão do país às políticas recessivas do FMI, Papandreou e a Nova Democracia - equivalente grego da ditabranda da mídia tupiniquim - não têm a menor legitimidade para assinar qualquer termo de rendição com a União Européia (UE) que hipoteque o futuro do país.

Democracia cosmética Mais do que autoritária, a decisão de Papandreou, em obediência aos desígnios dos tecnocratas da UE, do Banco Central Europeu e do FMI, expõe a incompatibilidade entre os desejos dos plutocratas globais e a democracia. Situação similar já se passara quando governos europeus, como o Reino Unido de Tony Blair, apoiaram a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em antagonismo com a vontade de seus concidadãos. Bombardeado nas ruas, seus substitutos do Partido Conservado e até do Partido Liberal - que se opusera à ação militar, com isso angariando forte prestígio popular - não apenas mantiveram a posição de linha auxiliar dos EUA no Iraque, como formaram a linha de frente dos bombardeios à Líbia. Com isso, tem-se o abastardamento do voto, com a ida às urnas sendo transformada em mera pantomina, para legitimar um sistema que não admite qualquer dissidência fora dos assuntos cosméticos.

Tragédia espanhola Há quatro anos consecutivos amargando o fechamento de postos de trabalho, a Espanha parece longe de ter atingido o fundo do poço. Em outubro, mais 134.182 vagas foram cortadas. Com isso, a taxa de desemprego no país saltou para 21,5% da população economicamente ativa (PEA), a maior dos últimos 15 anos. No total, a Espanha já tem 4.360.926 de desempregados. Ao mesmo tempo, o número de inscritos na Seguridade Social diminuiu em 75.249 inscritos, recuando para 17.360.313 de pessoas. Não por acaso, o primeiro-ministro José Luis Zapatero e a UE sequer cogitam de submeter a referendo às medidas que têm levado a Espanha à deterioração social.

Eles voltaram  Nos anos 70, eles eram os tecnocratas sem votos que, sob os auspícios de ditaduras sanguinárias, aplicavam os experimentos monetaristas nas regiões periféricas. Sua representação mais acabada foram os Chicago´s Boys, de Pinochet. Com o restabelecimento da democracia na América Latina, passaram a atuar nos bastidores de governos que não associavam liberdades políticas a desenvolvimento econômico ou buscaram se reinventar, disputando mandatos parlamentares. Cerca de 40 anos depois, com a Europa ainda formalmente uma democracia representativa, a mesma fauna toma de assalto governos da região, inicialmente Grécia e Itália, para, sem votos e legitimidade, atuar como interventora da tróica - União Européia, Banco Central Europeu e FMI - removendo qualquer vacilação política inerente a administrações pendentes de alguma prestação de contas aos eleitores.

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