segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Orçamento da União e dívida pública brasileira: lógica perversa

por Almir Cezar
O Orçamento Geral da União (OGU) como qualquer orçamento reflete a prioridade de gastos, no caso o que Governo Federal estabelece para a União. Infelizmente é perversa a lógica expressa ali. O Governo e a Mídia sempre apontam os servidores públicos, ou a Previdência Social, ou aumento nos gastos correntes como vilões do Orçamento, porém, o verdadeiro rombo das contas públicas é a dívida para beneficiar os banqueiros, mas também os grandes empresários e as multinacionais.

À dívida tudo, ao social migalhas
Vamos aos fatos, em 2009 mais de um terço dos gastos OGU foram para pagamento da dívida pública (juros e amortizações da dívida). Enquanto que apenas 4,64% para Saúde, 2,88% para Educação, 0,61% para Segurança Pública e menos 0,25% para organização agrária (cuidar da agricultura familiar e reforma agrária) – vide o gráfico.

Por sua vez, no OGU de 2010, a dívida consumirá quase 50%. Há mais de 33% reservado para "refinanciamento da dívida pública mobiliária" (pegar emprestado de novo para pagar dívida velha), isto é, um terço do Orçamento, e ainda mais 16,36%, para "encargos financeiros" (pagamento de juros da dívida), totalizando assim quase metade do Orçamento, com repasses diretamente aos banqueiros.


A parcela do OGU de Encargos Financeiros corresponde a mais de 16% do OGU 2010, constituída de recursos pagos a detentores de títulos mobiliários e outros pagamentos financeiros, é o segundo maior item, atrás apenas de Refinanciamento da Dívida. A frente inclusive dos gastos com Previdência Social (14,63% do OGU 2010) e com as ações de Assistência Social do MDS (2,2%), responsável por exemplo, do bolsa-família e outras ações de combate a fome e pobreza. Então os encargos financeiros são o verdadeiro bolsa-família, o "bolsa família rica".

O outros 33% restante dos 50% dos recursos da OGU que vão aos banqueiros, são recursos captados junto a eles e a eles, é a famosa “rolagem da dívida”. Mas são recursos que voltam a eles devidamente remunerados sob forma de novos juros pelo Encargos Financeiros ou no ano seguinte pelo Refinanciamento (nova rolagem). E assim, de rolagem em rolagem, a dívida vai aumentando e remunerando os banqueiros.

A consequência disso é a disponibilidade de apenas migalhas para Defesa Civil, Habitação (ridículos 0,01%), Saneamento e Urbanização. O descaso dos últimos anos só pode resultarem catastrófe, como foi as tragédias das enchentes, inundações e deslizamentos de encostas agora em 2010 no RJ, BA, PE e AL.

Mas esse não é um fenômeno isolado. Esse “autismo orçamentário” não vem de agora e é prática também por todos os estado e municípios.

Ao longo dos anos o crescimento das despesas com pagamento de juros e dívida federal são sempre maiores (exponecialmente crescentes!) do que a evolução com salários dos servidores (Pessoal) e gastos com Saúde e Saneamento, Educação e Cultura, etc.

Para piorar, há a limitação dos gastos com pessoal e outros gastos sociais da União pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Muito embora, a mesma LRF, indica que caberia ao Congresso Nacional estabelecer os limites para a dívida da União, o que até hoje não foi feito. Enquanto aos trabalhadores é aplicada política de arrocho salarial, a dívida pública tem atualização monetária garantida por lei.

Superávit primário
Contudo, isso não é um defeito apenas do governo federal. Em 2009, os governos federal, estaduais e municipais geraram juntos um superávit primário (isto é, a economia de recursos para o pagamento da dívida, obtida por meio de aumento de arrecadação de tributos e corte de gastos públicos) equivalente a R$ 64,5 bilhões ou 2,06% do PIB (Produto Interno Bruto, ou seja, tudo que o país produziu durante 2009). Porém, este superávit não foi suficiente para pagar sequer os juros da dívida, que atingiram 5,4% do PIB no período.

O mais grave é que todo sacrifício social que vem sendo exigido para se atingir a meta de superávit primário não foi suficiente para impedir o crescimento explosivo da dívida interna federal. Em 2009, esta dívida interna cresceu para R$ 1,8 trilhão, ou seja, um crescimento de nada menos que 17% no ano. Em valores absolutos, esta dívida cresceu a mais de 5 x (cinco vezes) do que todo o gasto com Saúde no ano passado.

Essa lógica é tão firme que em março o Governo emitiu o decreto de contingenciamento, cortando despesas, pois haveria um déficit não previsto à medida que as previsões de despesas para 2010 no OGU. Contudo, paralelamente ocorreram duas coisas, uma que nega esse anúncio, e outra que explica a real intenção do Governo. A Receita Federal havia em fevereiro anunciado que, pelo segundo mês consecutivo, uma arrecadação recorde de impostos, e o que tudo indica é que até o fim do ano haverá uma arrecadação superior a própria previsão da OGU.

Porém, o Banco Central decidiu aumentar a taxa Selic, depois dos banqueiros muito acossarem, exigindo aumentos nos juros sob a alegação da "ameaça da inflação"e os economistas pró-bancos proclamarem após meses a fio que a economia correria o risco de superaquecimento. Contudo, aumentando a Selic, acelera o crescimento da dívida.

Por isso, o próprio Ministério do Planejamento se moveu nessa direção, com os cortes no Orçamento 2010, para aumentar o dinheiro reservado para o superávit primário. Recursos que deveriam ir para Saúde, Educação, reajuste dos servidores, etc, serão - sob a justificativa mentirosa de queda na arrecadação de impostos - na verdade, reservados para o pagamento de juros maiores na dívida pública com a elevação da Selic.

Dívida externa
No que se refere à dívida externa, ela cresceu fortemente em 2009, apesar da política de pagamentos antecipados. A Dívida Externa, que era de US$ 262 bilhões em dezembro de 2008, cresceu para US$ 282 bilhões ao final do ano passado.

Importante ressaltar que tanto a dívida externa pública como a privada cresceram significativamente em 2009, apesar dos vultosos pagamentos. E nunca é demais repetir que é o governo que deve fornecer os dólares para as empresas quitarem seus débitos com o exterior. Por isso, a dívida externa “privada” causa tantos danos ao país como a dívida externa pública.

Com relação às contas externas, nota-se o grande volume de remessas de lucros das filiais de transnacionais para suas matrizes no exterior, que em 2009 atingiram US$ 27 bilhões, ou seja, mais que o saldo comercial, que atingiu US$ 25 bilhões. Estamos dependentes do ingresso de capitais estrangeiros para fecharmos nossas contas externas, por isso, o Governo lança títulos públicos lá fora ou põe alta a taxa de juros aqui para atrair especuladores internacionais que trarão os doláres necessários para fechar essa diferença.

Empréstimos subsidiados para ricos
Por outro lado, enquanto isso, o Tesouro Nacional via BNDES faz empréstimos subsidiados para as grandes empresas e multinacionais. O Congresso Nacional aprovou um bilionário empréstimo do Tesouro Nacional ao BNDES e, em seguida, autorizado o mesmo banco a conceder financiamentos subsidiados sem perguntar quanto essas operações irão custar, e como sempre os trabalhadores que pagarão a conta ao longo das próximas décadas, na forma de dívida e cortes no Orçamento. O Tesouro concedeu um empréstimo de R$ 100 bilhões ao BNDES em 2009 sob a justificativa que se temia que a efeitos da crise financeira internacional e sua recessão profunda no mundo pudesse ter dramáticas consequências sobre o nível de emprego e renda no país.

Contudo, o pior da crise passou, mas como as taxas de juros dos bancos comerciais são muito altas, o BNDES empresta a baixo custo às grandes empresas para investimentos, cobrando apenas sob taxas de juros subsidiadas, a TJLP, enquanto o Tesouro é obrigado a captar recursos pagando a taxa Selic. Enquanto que, os trabalhadores e microempresários são obrigados a pegar financiamentos a prazo curto e juros altíssimos nos bancos comerciais. No OGU 2010 foram 1,71% para Operações Oficiais de Crédito enquanto para Organização Agrária (ações do Ministério do Desenvolvimento Agrário no apoio a agricultura familiar e reforma agrária) foram meros 0,26%.

Por sua vez, no Brasil é muito mais fácil expandir a dívida pública em R$ 200 bilhões para financiar novos programas setoriais do que aumentar os gastos anuais com educação em R$ 500 milhões, já que neste caso a Lei de Responsabilidade Fiscal exige a definição de uma fonte permanente de recurso e, no caso de novas emissões de dívida, não há essa exigência.

Em suma, para os banqueiros e e grandes empresários tudo, para os trabalhadores migalhas! A realidade é essa. É necessário lutar para reverter tão estado de coisas. Colocar o Orçamento sob a lógica dos interesses e necessidades trabalhadores e da maioria do povo.

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