quarta-feira, 28 de abril de 2010

País gastou 5,7 vezes mais com juros do que com Saúde em 2009

País gastou 5,7 vezes mais com juros do que com Saúde em 2009

Monitor Mercantil, 23/04/2010


No dia em que o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, fizeram exposições na CPI da Dívida Pública no Congresso Nacional, nas quais deram ênfase à dívida líquida do setor público e a uma suposta independência conquistada em relação ao receituário do FMI, o líder do PSOL na Câmara, o deputado Ivan Valente (SP), mostrou que o país paga as maiores taxas de juros do mundo na dívida interna. E gastou R$ 380 bilhões com juros e amortizações em 2009 (R$ 169 bilhões somente em juros), além de continuar, na prática, seguindo a política de arrocho fiscal e liberalização financeira, preconizada pelo FMI.
Por sua vez, o relator da CPI, deputado Pedro Novais (PMDB-MA), criticou duramente o crescimento da dívida bruta do país, lembrando que os juros e amortizações pagos equivalem a 5,7 vezes o Orçamento da Saúde para este ano (R$ 66,9 bilhões).
Contabilidade errada
O economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida, esclareceu que o critério de dívida líquida esconde a verdadeira dimensão do endividamento público: "Basicamente, a diferença entre dívida bruta e líquida está nas reservas, contabilizadas como ativo, mas cujo carregamento custa R$ 40 bilhões por ano; no uso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) como ativo do governo, quando na verdade pertence aos trabalhadores; e nos empréstimos, em títulos públicos do Tesouro para o BNDES, que já totalizam R$ 130 bilhões", listou Ávila.
Segundo ele, emprestar ao BNDES não representa um problema, mas os juros são tão altos e os prazos tão curtos que a diferença entre o que o Tesouro paga e o que o banco recebe é muito grande, impactando fortemente as despesas públicas.
Os cálculos do professor Ricardo Bergamini, da UFSC, corroboram a opinião de Ávila. Segundo o professor catarinense, em 2009 a dívida bruta totalizou 68,35% do PIB, enquanto o governo, insiste em que a dívida líquida oscila em torno de 41%.
"A principal crítica aos ativos do governo é que eles não podem ser usados para o pagamento de obrigações do governo", destacou Ávila.
Dinheiro da privatização
Já o economista Dércio Garcia Munhoz, da UnB, ponderou que, após a instituição de leilões de títulos no mercado aberto, nas chamadas operações compromissadas, o governo passou a pagar juros superiores à taxa básica (Selic) sobre uma parte da dívida, não declarada, que já se aproxima de meio trilhão de reais: "E a deflação do IGP-M ainda elevou em dois pontos percentuais a remuneração dos especuladores", acrescentou.
Os números do BC confirmaram a informação do professor da UnB: o custo médio de carregamento da dívida interna da União em 2009 foi de 0,8499% ao mês (10,69% ao ano), com ganho real para os investidores de 0,9915% ao mês (12,57% ao ano), depois de incluída a deflação média/mês do IGP-M de 0,1416% (1,7125% ao ano).
Munhoz disse, ainda, que na dívida líquida estão descontadas as dívidas dos estados e municípios e o lucro das estatais:
"O financiamento aos estados e aos municípios foi feito com dinheiro da privatização. É um haver, mas no conceito de dívida líquida, foi contratado com juros e prazos diferentes - situação semelhante à dos repasses do Tesouro ao BNDES. Além disso, esses haveres não têm liquidez", disse, acrescentando que o superávit primário (economia para pagar juros) está muito aquém da despesa efetiva, que acaba ajudando a aumentar a dívida.
Nova escravidão
Esse quadro, para o economista Adriano Benayon, também da UnB, configura uma "nova escravidão". Benayon calcula que a União despendeu de 1988 a 2007 R$ 4,5 trilhões no serviço das dívidas interna e externa, em valor atualizado a preços de 2007, por juros, encargos e amortizações, não contadas a rolagens:
"Acrescentando a despesa de 2008 e 2009 e atualizando tudo em preços de dezembro de 2009, o gasto acumulado, de 1988 a 2009 com o serviço da dívida ascendeu a R$ 5,7 trilhões", criticou, ressaltando a aceleração do processo de endividamento.
"A elevação foi de 15%, de 2007 para 2008 (R$ 280 bilhões), e de 35%, de 2008 para 2009 (R$ 380 bilhões), em preços correntes", contabilizou, frisando que a carga tributária cresceu 51% desde 1989, sem, porém, oferecer, em contrapartida, serviços públicos de qualidade ou mesmo um efetivo controle do endividamento: "Muito pelo contrário", criticou.
Com relação ao endividamento dos estados e municípios, Benayon disse que pagam juros extorsivos à União: "Em valores de dezembro de 2008, os estados receberam R$ 184,98 bilhões, pagaram R$ 119,49 bilhões e ainda estão devendo R$ 320,25 bilhões. Um formidável subsídio dos estados à União de R$ 254,76 bilhões", comparou.
Dívida interna x externa
Outro problema destacado pelos economistas é a semelhança entre os montantes das reservas cambiais e das operações compromissadas do BC no mercado aberto, que se aproximam dos R$ 500 bilhões.
As duas juntas geram despesas de R$ 80 bilhões por ano, equivalente a quatro Orçamentos do PAC na União. No entanto, Rodrigo Ávila esclareceu que as operações compromissadas, embora não apareçam nos boletins do BC, estão corretamente contabilizadas como passivo na hora de calcular a dívida líquida:
"O problema, mais uma vez, é o custo representado pelos juros. Entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2010, essas operações foram as principais responsáveis pelo crescimento da dívida líquida. Como percentual do PIB, eram 10,8%, em 2008, e hoje já chegam a 15,6%. Ou seja, 44% de aumento em relação ao PIB", salientou, apontando a troca de títulos públicos por dólares que engordam as reservas como a principal causa desse crescimento.
O raciocínio de Paulo Passarinho, conselheiro do Corecon-RJ, vai na mesma linha. Segundo ele, Mantega "desprezou fatos históricos banais" em seu depoimento:
"A adoção da política monetária baseada no modelo de metas inflacionárias, a política fiscal com o objetivo de se alcançar pesadas metas de superávit primário e o regime de câmbio flutuante - características da atual política macroeconômica - foram exigências do último acordo celebrado com o FMI, ainda no tempo de FH", disse, enfatizando a relação entre o acúmulo de reservas e o crescimento da dívida.
"A dívida interna em títulos do governo federal ultrapassa hoje os R$ 2 trilhões. Quando Lula assumiu o governo, em janeiro de 2003, era de R$ 687 bilhões. Lembremos que, em janeiro de 1995, quando do início dos governos de FH, a dívida era de apenas R$ 59,4 bilhões", contabilizou, acrescentando que, em 2009, o Brasil pagou juros reais positivos de 12,57% ao ano e recebeu das aplicações das reservas juros reais negativos de 3,8% ao ano (juros zero para inflação norte-americana de 3,8% ao ano): "Um ganho real para o mercado financeiro internacional de 16,37% ao ano."
Oligopólio
Em seus depoimentos à CPI da Dívida, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BC, Henrique Meirelles, divergiram em um ponto: Mantega criticou o custo excessivo dos empréstimos bancários. Meirelles rebateu, afirmando que a Selic, que ainda pode subir no fim do mês, teria sido importante para manter a inflação sob controle, preservar o poder de compra da população e garantir o crescimento sustentado do país.
Mantega, porém, lembrou a oligopolização do setor financeiro brasileiro, no qual os seis maiores bancos dominam cerca de 80% dos empréstimos e financiamentos.

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