terça-feira, 27 de abril de 2010

Até para FGV excesso de gastos públicos e baixo investimento são mitos

Pilar do conservadorismo econômico brasileiro, a FGV, apresenta estudo que ataca dois grandes mitos recentes sobre contas públicas brasileiras.

Veja a matéria do colunista do Portal iG Guilherme Barros.

FGV diz que excesso de gastos públicos e baixo investimento são mitos que devem ser revistos

Um dos mais tradicionais centros do conservadorismo brasileiro, a Fundação Getúlio Vargas, decidiu atacar o que chamou de dois grandes mitos do debate sobre as contas públicas.

A crítica está na Carta do Ibre, que começa a circular esta semana na revista Conjuntura Econômica.
O texto é polêmico e promete dar o que falar.

No editorial, a instituição simplesmente desmonta as teses da gastança no setor público e de que o baixo investimento do governo se deve à limitação de recursos.

Diz a Carta: “São dois grandes mitos do debate sobre as contas públicas no Brasil. O primeiro diz respeito à possibilidade de melhora do desempenho fiscal com um “choque de gestão” que ataque as ineficiências do Estado brasileiro, e venha a gerar uma substancial economia das despesas de custeio da máquina pública.
O segundo mito é apontar, “como único motivo do baixo investimento do governo federal, os recursos limitados liberados para esse fim, uma vez que o grosso da receita pública seria direcionado para os gastos correntes”.

“Não há gastança desenfreada e descontrolada do Estado”, diz a FGV

A parte mais polêmica da Carta do Ibre, sem dúvida, é a que trata do mito do gasto público para custeio.
A partir de uma análise minuciosa das despesas de custeio do governo de 1999 a 2009, o texto chega a pelo menos duas importantes conclusões.

A primeira de que “o grande salto da despesa pública federal entre 1999 e 2009 não se deveu a uma gastança desenfreada e descontrolada em benefício de pequenos grupos orbitando em torno do Poder Executivo”.

Segundo o documento, “ainda existem grandes e aparentemente injustificáveis distorções que merecem reavaliação, como o sistema de pensões absurdamente generoso. De maneira geral, no entanto, o aumento do Estado naquele período correspondeu à implantação de um projeto de sociedade com maiores e relativamente melhores serviços públicos essenciais, e com maciças transferências sociais e previdenciárias para grupos específicos, porém bastante amplos, como idosos, pobres, funcionários públicos e suas respectivas famílias”.

A outra conclusão é de que o volume dos gastos de custeio indica que, independentemente do tamanho ser adequado ou não (o que só um estudo muito mais detalhado poderia dizer), ele não é suficientemente inchado para que daí saia o grande ajuste fiscal brasileiro.

Para FGV, gastos sociais explicam aumento das despesas

Segundo a Carta do Ibre, o aumento dos gastos do governo, de 1999 até 2009, se deve basicamente à ampliação das despesas para a área social, assim como para educação e saúde.

De acordo com texto, “a análise da evolução da despesa desde 1999 mostra que o grosso do crescimento deveu-se ao mandato político democraticamente conferido pela população aos governantes, ao longo de dois governos situados no eixo do centro à centro-esquerda, para que expandissem e fortalecessem o estado de bem-estar social brasileiro”.

E prossegue: “Alguns dos itens que explicam esse crescimento são quase que unanimidades, como os gastos sociais, que mais do que duplicaram, saindo de 0,6% para 1,3% do PIB; ou o custeio de educação e saúde, que dobraram, de 0,7% para 1,4% do PIB. Outros podem ser mais polêmicos, como o salto das despesas do INSS de 5,5% para 7,2% do PIB, mas sem dúvida nenhuma correspondem ao anseio popular por transferências e garantias de rendas bancadas pelo Estado”.

O documento ressalta também a política de aumento do salário mínimo: “É importante destacar também a forte influência da política de valorização do salário mínimo sobre aquela elevação. Na decomposição do aumento dos gastos, a ampliação de 0,4 ponto percentual nas despesas de pessoal, de 4,4% para 4,8% do PIB, é a componente responsável por cerca de 10% da expansão total dos gastos”.

Excesso de gastos não é a razão do baixo investimento, diz FGV

Na contramão do senso comum, outro ponto não menos polêmico da Carta do Ibre é a que trata do baixo volume de investimento no país.

Hoje, o investimento público total no Brasil é proporcionalmente menos da metade do que era na década de 1970, apesar do grande aumento da carga tributária de um período para o outro, de aproximadamente 25% para 35% do PIB.

Normalmente, o que se diz é o que excesso de gasto com custeio restringe o investimento.
O texto diz, no entanto, que “a questão orçamentária é um problema que aparentemente afeta mais os programas menores, mas não é um fator limitativo ao investimento dos grandes programas, cujos recursos foram autorizados e empenhados na Lei Orçamentária Anual (LOA)”.

O documento afirma também que a trava ao investimento público não se limita aos fatores sempre apontados como “vilões” pelo governo, como as licenças ambientais, a fiscalização pelos tribunais de contas e as exigências da Lei 8.666, a das licitações.

“Na verdade, não é claro que mudanças restritas a esses pontos resolvam o problema da baixa execução dos investimentos orçados. Sem um grande esforço para melhorar a organização da máquina pública, é provável que o governo federal continue a investir ainda menos do que os recursos já diminutos que reserva para esse fim”, conclui a Carta do Ibre.

A análise da Carta do Ibre foi feita com base num levantamento de Mansueto de Almeida, economista do IPEA.

Segundo o trabalho, em muitas obras em que os recursos para a realização dos investimentos já foram autorizados e empenhados, o que limita a execução são diversos entraves, desde os burocráticos e administrativos até questões ligadas à licitação e controle do Tribunal de Contas da União (TCU).

O exercício revelou, de forma até certo ponto surpreendente, que as falhas parecem ser mais internas, isto é, relacionadas ao funcionamento da máquina pública, com uma presença relativamente menor dos problemas ligados ao ambiente institucional — isto é, exigências ambientais, auditorias dos tribunais de contas e rigidez dos processos de concorrência.

Assim, liderando o ranking, figuraram as restrições administrativas, orçamentárias, financeiras e gerenciais.

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