segunda-feira, 27 de julho de 2009

"Jardim da liberdade": a Escola de Artes Visuais do Parque Laje

Prezado companheiros,

leiam este artigo que fala da Escola de Artes Visuais Parque Laje uma bela experiência de se constituir arte e resistência, na qual todos nós participamos dessa idéia.

Abraços,

Eduardo.


***

Jardim da Liberdade

Em pleno tempos de chumbo, o Parque Lage abria suas portas para poetas e cabeludos: estava criada a Escola de Artes Visuais no Rio de Janeiro.

Bernardo Camara

As coisas andavam calmas pelo jardim. Com cavaletes espalhados pelo casarão, jovens e senhoras pintavam suas paisagens e moldavam seus bustos de gesso. A notícia chegou como um furacão: “Estão dizendo que não querem mais o clássico e o acadêmico. Dizem que o novo diretor quer tudo moderníssimo e muita liberdade”, denunciava ao Jornal do Brasil uma das alunas do Instituto de Belas Artes.

Sediada no antigo palacete do Parque Lage, no Rio de Janeiro, a tradicional instituição trocou de nome e de rumos, nos idos de 1975, no decorrer da ditadura militar. A sigla IBA deu lugar às letras EAV – Escola de Artes Visuais. Foi o primeiro sinal de que a gestão do artista plástico Rubens Gerchman se iniciava para não deixar, por ali, pedra sobre pedra.

E não deixou. Numa dessas contradições da ditadura brasileira, a Secretaria de Cultura do Estado chamou o contestador Gerchman para assumir o ensino no Parque Lage. Chegando lá, ele encontrou cursos engessados no academicismo. As aulas ocupavam as salas da antiga construção de estilo eclético, que até hoje divide espaço harmoniosamente com árvores e cascatas. Nas palavras do jornalista e crítico de arte Wilson Coutinho, o Instituto vivia “um tempo descompassado, desatualizado”.

O balde de contemporaneidade veio de repente. Em poucos meses, o novo diretor estava com um time de artistas de vanguarda formado. Gente como Lina Bo Bardi, Helio Eichbauer, Sérgio Santeiro e Léliz Gonzalez teriam o papel de desenferrujar a noção de ensino de arte.

No início de 1976, os primeiros cursos já mudavam o cenário do parque: as aulas transbordaram das salas para os pátios e jardins. E se o IBA era apegado às artes plásticas, a EAV abria largos caminhos para que literatura, cinema, teatro, fotografia e outras formas de expressão se embaralhassem à vontade.

Em tempos de ditadura, o local se tornou um refúgio de poetas e cabeludos. “Esse lugar era muito sedutor, fascinante. Eu via isso como uma ilha de liberdade cercada de repressão por todos os lados”, recorda Luiz Ernesto Moraes, que estava entre os mais de dois mil alunos que circularam por ali à época.

Entre as árvores centenárias, vez por outra um maluco-beleza transitava como veio ao mundo. A marola que exalava dos cigarros de maconha se misturava com o ar puro. E alunos, professores e curiosos passavam dias inteiros se embebedando de uma cultura que, dali para fora, fatalmente encontraria resistência.

“Tudo o que não podia acontecer em lugar algum – filmes censurados, artistas que tinham trabalhos proibidos, poetas – acontecia aqui. Isso era um oásis, as pessoas vinham para cá porque sabiam que aqui as coisas aconteciam”, diz Luiz Ernesto.

Com aulas instigantes e interativas, o espaço logo transcendeu o ensino e passou a ser o principal palco de eventos, debates, exposições, leituras de poesia, teatro e performances que aconteciam na cidade. Gil, Caetano, Paulo Moura e uma penca de outros grandes artistas passaram por lá.

“Era o lugar no Rio em que as pessoas se refugiavam, se encontravam. Um lugar muito efervescente, de encontros, idéias”, define o artista plástico Helio Eichbauer, que integrou a primeira equipe de professores da EAV. “Em termos de cultura, ali aconteceram as coisas mais importantes no Rio, na época. Foi onde se fez história da cultura, da arte”.

Hippies inofensivos

Ao lado do palacete, um camburão da Polícia Militar batia ponto todos os dias. Luiz Ernesto cansou de ser revistado pelos soldados. “Muitas vezes eu parava, botava as mãos no carro, o cara dava uma geral, derrubava minhas coisas da bolsa”, conta, acrescentando, porém, que a opressão não passava disso.

“Eles achavam que os artistas eram hippies e que não tinham uma atuação tão perigosa”, explica Eichbauer. O que poderia ser ingenuidade, já que a nata revolucionária de pensadores não parava de borbulhar ideias e críticas ao regime. Mais que artistas, a escola congregou sociólogos, antropólogos, historiadores e outras áreas de discussão. “O que exercíamos ali era um outro tipo de guerrilha. Uma guerrilha espiritual, intelectual, de ideias”.

Foi nos jardins do parque que a poesia marginal – a mais importante expressão literária de resistência – encontrou morada. Ali, os psicanalistas da vanguarda lacaniana sediaram a Escola Freudiana do Brasil. Foi nos porões do casarão que uma das primeiras revistas gay, Lampião, saiu impressa. “Enfim, aqui era onde se pensava artisticamente e politicamente”, conclui Luiz Ernesto.

As coisas aconteciam no ímpeto. As verbas do Estado mal davam para o papel higiênico e o café, dizia Gerchman. Mas só o prazer de se expressar livremente valia a conta, garante Eichbauer: “Os artistas iam porque queriam. Ali era uma escola de contracultura oficial. Um lugar onde se exercia o direito à liberdade de pensamento e de ação”. Algo tão em falta naqueles tempos de chumbo.

Retirado do Portal - www.revistadehistoria.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário