quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Teoria da Crise no Marxismo (3) - A controvérsia sobre a harmonia do Capitalismo

Capítulo 3
A CONTROVÉRSIA SOBRE A HARMONIA DO CAPITALISMO

A visão terminal do capitalismo de Marx e Engels entretanto começou a ser revisada no final do século XIX, e começos do século XX, pelos chamados Revisionistas, isto é, seguidores de Marx que acreditavam ser preciso fazer "alterações" na teoria porque a realidade não confirmava suas previsões (prognóstico), e ao longo do tempo várias e várias novas matizes - de origens distintas, mas com mesmas características - surgiram reivindicando a suposta necessidade de revisar o mestre.

Após a morte de Engels em 1895 se cristalizou na II Internacional uma visão dogmática do marxismo que interpretava que Marx preconizaria o fim do capitalismo por seu colapso econômico. Tal interpretação dos trabalhos sobre economia política e sociologia de Marx e do próprio Engels - que de nada este havia contribuído para a dogmatização, mas surgidos no processo de hegemonização do centro dirigente da Internacional sobre interpretações de outros grupos - abriu espaço para firmes questionamentos a essa visão economicista, e por não encontrar eco da época na realidade expansiva do capitalismo dos países europeus ocidentais e da incorporação gradual das massas proletárias ao consumo e à participação político estatal.

Por um lado, essa interpretação cumpria papel de justificar a opção por parte da Social-democracia pela estratégia de disputar a participação no Estado burguês e das lutas materiais parciais pelos sindicatos - à medida que a luta pela implantação do socialismo ficava colocada para uma época posterior quando as condições objetivas fossem favoráveis (o momento do "colapso").

Por outro, ao não se verificar nenhum elemento concreto desse "colapso" vindouro, setores do dogmatismo rompem, preconizando que com o advento do imperialismo findava-se as possibilidades do capitalismo encontrar barreiras a sua expansão. Outros indo mais longe, que com a nova etapa aberta a construção da sociedade ideal (socialista) ficava favorecida ou permitida sua implantação por reformas graduais no capitalismo.

Esse movimento no interior do marxismo, liderado pelo "ortodoxo" Bernstein, passou ser chamado de revisionismo, pois questionavam a validade de vários fundamentos teóricos de Marx e Engels, afirmando não estarem mais válidos ou serem originalmente equivocados. Como a inviabilidade progressiva dos fundamentos econômicos do capitalismo para manutenção do processo de acumulação do capital e também a interpretação do caráter de ditadura de classe sobre os regimes de Estado e a exigência da Ditadura do Proletariado como governo revolucionário necessário para implantação das medidas jurídicas e económicas de transição ao socialismo.

Independentemente, do revisionismo nos partidos europeus ocidentais, mas sob contexto histórico do Imperialismo, Tugan-Baranovsky começa a desenvolver uma abordagem em seu livro sobre As Crises Industriais na Inglaterra, editado na Rússia em 1894[1]que deixou bem claro, duas questões básicas que acabaram por influenciar por demais o revisionismo na Social-democracia.

O primeiro, o desenvolvimento da economia capitalista depende da expansão das forças produtivas, mas não apenas, mas também da ampliação dos mercados para absorver a produção; e o segundo, contrariamente à tese dos teóricos burgueses subconsumistas[2], o aumento do consumo seja dos trabalhadores e dos capitalistas não é imprescindível para realizar a crescente produção, esta pode ser realizada apenas no setor produtor de equipamentos - por exemplo, são produzidas máquinas para produzir mais máquinas para fazer mais máquinas. Para Tugan, as crises seriam raras e cada vez mais raras, pela crescente absorção da produção pelo setor produtor de bens de produção gerados no próprio setor, enquanto que, eventuais crises, surgiriam unicamente num não acompanhamento da produção do setor de bens de consumo.

Tugan-Baranovsky rechaçava as explicações das crises apresentadas por Marx e Engels em torno do problema de realização em consequência do subconsumo das massas (miserabilização) e/ou pela liquidação progressiva dos lucros provocada pela tendência decrescente da taxa de lucros pela substituição de trabalhadores (capital variável gerador de mais-valia) por máquinas (capital fixo).

Com base a um estudo seu sobre os "esquemas de reprodução ampliada" contidos no Livro II dO Capital, demonstrava que as duas explicações tradicionais do marxismo eram incoerentes argumentativa e algebricamente, isto é, Marx equivoca-se nas conclusões, e que a crise econômica não poderia ser auto-gerada pelo capitalismo e se ocorresse, seria, e somente, pela desproporção entre os setores da produção (os marxianos "Departamentos").

Tugan considerava sua teoria uma crítica a Marx e não uma melhor exposição de teoria marxiana. Assim, Tugan objetivava refutar os narodnikis[3] e defender a concepção que o capitalismo poderia expandir-se na Rússia e quando estivesse consolidado, e somente quando, abrir-se-ia espaço para reivindicações socialistas, assim, os revolucionários deveriam lutar, numa primeira etapa, pelas velhas reformas burguesas, como parlamentos e legislação civil, que não haviam sido ainda aplicada nesse capitalismo retardatário. Vale dizer, que Tugan que sua teoria de crise paulatinamente, tornou-se muito popular entre várias correntes da social-democracia pela crítica a concepções de "desarmonia" do capitalismo e da luta política imediata pelo socialismo.

Por sua vez, Rosa Luxembourg, revolucionária de origem polonesa, então território integrante do Império Alemão, procurou rebater a interpretação harmonicista do capitalista contida no dogmatismo da cúpula da Social-democracia, principalmente alemã, que assim legitimava a posição social-reformista do movimento marxista de então, com base a elementos do Livro II a respeito da problemática da realização e também refutando a validade dos equilíbrios no esquema de reprodução ampliada marxiano[4], resultado da tendência da acumulação desigual entre os Departamentos do esquema e da compressão da participação dos salários na participação do consumo geral na realização na produção.

Assim, Rosa, por um lado, recolocava na ordem do dia a iminência da luta operária pela derrubada do capitalismo, à medida que seu desenvolvimento ocasionava a irremediável progressiva miserabilidade, mesmo que relativa, das massas proletárias, que por sua vez, gerava mais crise e desemprego ou redução de salários. Por outro, destacava que uma das medidas que o capitalismo usava contra a restrição da realização se dava pela exportação de capital, sob a forma de investimentos e mercadorias, para os mercados externos, o que por sua vez, expandia as relações capitalistas às regiões e países atrasados, colocando neles também, como no centro do imperialismo, a necessidade da luta socialista.

Na tentativa de "defender a ortodoxia", na verdade, o dogmatismo do centro dirigente da Internacional, Hilferding, economista social-democrata austríaco, figura proeminente da corrente seguidora de Kaustky no Império da Áustria-Hungría, e com claras determinações revisionistas, conhecidos por "autro-marxistas", elabora uma "refutação a refutação" luxemburguista à teoria marxiana dos esquemas de reprodução.

Utiliza por base para isso, a teoria de desproporções setoriais importado de Tugan-Baranovsky e lhe aperfeiçoando, fazendo o reforço da ligação entre essa teoria e a leitura do Livro II dO Capital como meio de comprovar a validade do equilíbrio da reprodução ampliada.

Afirmava que a crise quando se apresentava devia exclusivamente a desproporções entre o Departamento I, que cresce mais rápido na moderna indústria da 2ª Revolução Industrial, com a capacidade de absorção dessa produção pela produção do Departamento II. Entretanto tal capacidade de gerar crises não manifestava no capitalismo pelo advento do Imperialismo, que seu mercado externo absorvia a produção, e pelo aparecimento do capital financeiro, a fusão do capital industrial e do capital bancário, que contribuía para centralização e concentração do mercado interno, juntamente com o aparecimento das empresas de sociedade anônima, os trustes, as corporações e os cartéis, fazendo com que diminua o número de empresas concorrentes no mercado, ao mesmo tempo do crescente papel de interventor e provedor do Estado na economia ("Capitalismo de Estado"), facilitando assim a proporcionalidade entre os Departamentos.

Dessa maneira, as crises tornavam-se mais raras e surge um papel à participação dos trabalhadores no Estado - para corrigir possíveis incorreções criadas pelo imperialismo e o capital financeiro, ao mesmo tempo, que, criavam as bases objetivas para o socialismo, assim abria-se espaço para sua implantação dê-se exclusivamente pela vontade consciente dos trabalhadores por meio da sua gestão do Estado, com a opção de ser de maneira gradual e pacífica.

O que já preconizava K. Kaustky, anos antes que esse seu pupilo "comprova-se" de maneira mais clara e mais social-reformista, até porque para o mestre, frequentemente cunhado pelos adversários de centrista por suas posições políticas, acreditava que havia ainda espaço para a tomada violenta do poder, isto é, a revolução, enquanto uma tática, e não como estratégia do movimento operária, embora com advento da Grande Guerra de 1914, ele próprio irá abandoná-la em definitivo. Ao ponto, de participar do primeiro governo da República de Weimar, governo este responsável pela repressão do movimento revolucionário por que abateu a Alemanha nos instantes finais da Guerra, que culminaria pela própria morte de Rosa Luxemburgo.

Lênin, apesar de concordar com os argumentos da refutação a Rosa pelos autro-marxista - alia-se a esta revolucionária na luta contra as conclusões social-reformistas dos revisionista -não concorda com a explicação deles para a causa das crises, situando-se numa interpretação liquidacionista, que acreditava melhor criticar os revisionistas como um modelo que incorporava os elementos do problema de realização, como miserabilidade crescente das massas e a restrição da capacidade de absorção da produção pela centralização/concentração do capital, a exportação de capitais e necessidade do mercado externo e o desequilíbrio entre os setores da produção na moderna indústria (resultado entre os níveis técnicos da composição de capital distintos).

Lênin destaca que o advento do capital financeiro e do imperialismo[5] ao invés de diminuir os antagonismos entre as classes, o proletariado e a burguesia, entre as frações da burguesia no interior dos países e entre as das várias potências centrais - mesmo que transitoriamente não - aumentava-os no tempo à medida que as contradições básicas do capitalismo se aprofundavam com o desenvolvimento do capital.

Embora com precisão na descrição do processo, Lênin confunde a hipótese da liquidação - na verdade uma manifestação e conteúdo da crise - com a explicação da causa.


Notas:
[1] segundo cita Jorge Mglioli na Apresentação do livro Teoria da Dinâmica Capitalista (KALECKI, 1996) seguidores de Malthus e nas primeiras abordagens monetaristas como em von Mises e em Wickesell. Como também correntes pequeno-burguesas, a exemplo, dos ricardianos de esquerda e dos narodnikis russos (RODOSKY, 19-).
[2] O subconsumismo burguês era compartilhado por correntes distintas como o historiador Hobson, os
[3] Os social-populistas, também chamados em russo de narodnikis, exerceram até a última década do século XVIII uma predominância no movimento socialista russo, apesar de não se intitular marxistas, mas compartilhassem do ideário socialista, várias de suas teorias eram elaboras com base as formulações de Marx e Engels. Preconizavam que o processo de acumulação do capitalismo não se sustenta em sua reprodução global, à medida que expande sua produção mas não a absorção de sua mercadoria, pois a capacidade de consumi-las não a acompanha seu ritmo. Na Rússia os narodnikis, cujos seus principais líderes mantiveram intensa correspondência com Marx e Engels, afirmavam com base a uma interpretação equivocada da economia política de marxiana, que o capitalismo não poderia sustentar-se e logicamente, expandir e consolidar a classe operária, e com isso, os fiindamentos para a implantação da sociedade socialista assentavam-se na produção comunal do campesinato e do artesanato que estavam em contradição antagónica com o capitalismo mas que não tendia a desaparecer (ROSDOLSKY, 19-).


[4] Uma proporção entre o Departamento I, produtor de bens de produção, e o Departamento II, produtor de bens de consumo. Marx haveria errada na montagem do modelo algébrico, haveria uma incoerência entre as hipóteses dos argumentos teóricos, inclusive sobre a incompatibilidade progressiva das condições da realização e a fiindamentos da produção. Sendo assim, deveria-se desconsiderar a validade de equilíbrio demonstrados nos "esquemas".
[5] Em LÊNIN, Imperialismo: etapa superior do Capitalismo


Amanhã:
Capítulo 4 - O problema da demanda efetiva a partir dos anos 1930

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