domingo, 16 de novembro de 2008

A Teoria da Crise no Marxismo (1) - A teoria quando Marx e Engels eram vivos

Aqui está o primeiro artigo da Parte I da série de artigos A Teoria da Crise no Marxismo.

Parte I 
A CONTROVÉRSIA SOBRE AS CRISES


Capítulo 1

A TEORIA QUANDO MARX E ENGELS ERAM VIVOS



Karl Marx inicia o desenvolvimento de seu pensamento a partir da década de 1830, período marcado por uma quebra da tranquilidade por que passava a Europa Ocidental, duas décadas de calmarias seguintes ao fim da época de revoluções e guerras em desdobramento à Revolução Francesa e ao período napoleônico.

Durante as décadas de 1840 e 1880, Marx e seu parceiro intelectual e de lutas, também alemão, Friederich Engels, começam a polemizar com as teorias sociais hegemônicas em seu tempo, apologéticas da sociedade burguesa que então se consolidava na Europa Ocidental e América do Norte, iniciando-se pelo idealismo da Teoria da História e a epistemologia do filosofo conterrâneo, Hegel, que tinham sido elaboradas a partir uma teoria do Direito, embora essa crítica foi feita de maneira diferente às críticas que até então ao pensamento hegeliano sofria, como o materialismo do filosofo conterrâneo e contemporâneo, Ludwing Feuerbach.

Marx e Engels por sua vez o fizeram, por meio de análise crítica da economia política clássica, de tradição britânica, que preconizava que a base da vida social residia na vida material da sociedade, principalmente nas relações econômicas. Essas duas análises críticas, mais a do socialismo francês, foram feitas por meio de um método filosófico novo, o que por eles foi balizada de "materialismo dialético".

Marx e Engels procuraram reconstruir a cientificidade da investigação da sociedade humana. Resgatando o objetivo de perseguir a verdade na ciência social. Embora, clarifica que a verdade nas ciências em geral e, principalmente, na ciência social, são historicamente datadas, tanto em razão da mutabilidade do objeto como do próprio sujeito da investigação, como também pela influência um no outro e da possibilidade de transformação do objeto pelo sujeito a partir dos conhecimentos por este adquirido na investigação.

Mais ainda, Marx e Engels concluem que a descoberta ou a refutação cientifica de uma teoria esta condicionada ao grau de influência do sujeito humano investigador sobre o objeto investigado, e pela finalidade que essa teoria pronta lhe confere. Dessa forma, de maneira geral, as ciências de uma época e lugar, ainda mais a ciência social, são, também, determinadas pela ótica e interesse de sua classe dominante. Daí a possibilidade de manipulação da verdade.

Com isso, toda investigação da realidade do sistema social, à medida que este se desenvolve, nas mãos da classe nela dominante, torna-se mais manipulatória e com um menor teor de capacidade e aspiração em explicar fielmente o mundo social real. Inversamente, a classe que contrapõe a dominante e com potencialidade de sucedê-la na dominação social, isto é, a classe revolucionária, traz consigo as condições (e a necessidade) de desenvolver uma ciência mais realista, que por sua vez, traz-lhe a disponibilidade de evitar a manipulação e melhora seu potencial de exercer a sucessão na dominação de classes.

Para tal, Marx e Engels, a partir do materialismo dialético - essa epistemologia nova e transcendente - elabora um conjunto teórico que ficou conhecido de Marxismo -, compreendendo, principalmente, uma crítica a teoria científica da História, uma teoria sistemática da análise do capitalismo e das formações sociais e das relações humanas que a precederam, o "materialismo histórico"; uma crítica a Economia Política burguesa, a "crítica à economia política"; e uma teoria científica política prática-programática ao proletariado, pregando a tomada e a necessidade da tomada do poder pela ação e consciência revolucionária, na qual ambas anteriores são seus apoios. Esse conjunto popularizado pelo próprio Marx com o nome de "socialismo científico".

O termo "científico" nesta expressão se refere à controvérsia que Marx e Engels travavam com outros líderes do movimento operário, que reivindicavam o socialismo, mas portavam programas e formulações, a partir de uma visão idealista, em base nas possibilidades ou num ideal utópico , e não nas necessidades reais, objetivas e subjetivas.

Segundo Lênin, no artigo Friederich Engels de 1895, será Engels, e conseguinte Marx, os primeiros a declararem que o proletariado não é só uma classe que sofre, mas que a miserável situação em que se encontra, ou que o ronda permanentemente, empurra-o irresistivelmente para frente e acabar por obrigá-lo a lutar pela sua emancipação definitiva. E o proletariado em luta ajudar-se-á a si mesmo e os demais setores explorados ou oprimidos pelo capitalismo. Assim, o movimento político da classe operária levará, inevitavelmente, os operários à consciência de que não há para eles outra saída senão o socialismo. Por seu lado, o socialismo só será uma força quando se tornar o objetivo da luta política da classe operária.

Obviamente, a interpretação da crise econômica feita por ele, foi logicamente afetada por uma visão negativa do capitalismo. Marx, por vê-lo como um sistema historicamente datado, isto é, que se tinha um começo, um início, previu que haveria um fim.

Para uma boa parte de seus seguidores e interpretes Marx teria profetizado que o capitalismo terminaria através de processos de Crise Geral. Seus seguidores, especialmente os social-democratas alemães, posteriormente a morte de Engels, foram além, polemizando em torno da "teoria da catástrofe inevitável" do capitalismo (também chamada de "teoria do colapso") , que afirmava que a derrocada do capitalismo se daria sob forma de um colapso geral e inevitável, e seria seguido, isto é, abrir-se-ia espaço para a implantação do socialismo. Entretanto, Marx nunca afirmou que o advento da sociedade socialista se faria pela derrocada inexorável do capitalismo, mas se faria a partir da derrota do capitalismo e sobre suas ruínas.

Assim, em sua análise da realidade social se concentra no aspecto da evidente crise da humanidade vivida durante a etapa histórica do Capitalismo, claramente vivenciada em vida por Marx - época tingida de miséria crescente, convulsões e guerra - e a transformação histórica desta numa nova sociedade, o socialismo, pela ruína do capitalismo (o que não é colapso) por suas contradições particulares (elementos engendradores da nova sociedade através das mãos consciente do proletariado). A Crise é para Marx a passagem de uma etapa histórica para outra, produzido pelo "ajuste" da contradição, pois leva a desorganização e re¬organização dos sujeitos sociais, das classes sociais em luta.

Sendo assim, é indubitável a ligação, no Marxismo, ou pelo menos em Marx e Engels, da Teoria da Crise, com a Teoria da Miséria e com a Teoria da Revolução.

Entretanto não existe uma Teoria da Crise, tal como não há teoria da miséria e da revolução, em Marx há um todo, uma ontologia do ser social sob o capitalismo (LUKÁCS, 1981), embora tenha presença nítida a teorização desses três aspectos, claramente distinguíveis, tal qual Marx não desenvolve uma sociologia ou uma economia "marxista".

O objetivo de Karl Marx, segundo o filósofo marxista Gyorgy Lukács, era explicar as mediações sociais que fazem do homem o único demiurgo de seu próprio destino, "ainda que em circunstância que não escolheram", de tal modo a demonstrar a possibilidade ontológica da superação da sociedade capitalista para uma superior, onde os indivíduos não seriam alienados e viverem com sua humanidade re-integralizada, quer dizer, que no seu modo de ver, adviria com a constituição da sociedade socialista.

Claro que na época de Marx estava muito longe de constituir-se um sistema classificatório geral, ou uma divisão e subdivisão das diversas ciências e seus ramos. Por evidente, não existia a sistematização que permite identificar, por exemplo, um grupo homogéneo no estatuto de ciências humanas (Economia, Psicologia, Sociologia, Linguística, História das Ciências, etc). Assim se põe de lado àqueles que, exigem de Marx uma "teoria das classes sociais", uma "teoria da dialética", uma "teoria do comunismo", etc, enfim, mesmo uma teoria da crise ou da regulação.

Marx chega ao entendimento da crise partindo de sua teoria do valor e do capital, constitui a "lei do valor e da mais-valia", erigida com base na apreensão da realidade do modo de produção capitalista, pela ótica do método dialético materialista. O capital é aí concebido como realidade social e historicamente determinada, sendo a forma de expressão e a formatação que a propriedade e o valor social se apresenta, sintetizando as relações de dominação e exploração da classe capitalista sobre a assalariada.

Marx, além de descobrir várias leis, e foi mais adiante: estabeleceu o conceito de lei científica: não só indica o conhecimento de determinada relação constante entre fenômenos (lei "corrente"), mas a que exprime uma conexão interna e necessária entre coisas ou fenômenos. Por outras palavras, Marx acrescenta ao conceito a ideia da natureza das leis a partir do exame da correlação entre a essência dos fenômenos em seus condicionamentos; ou mudando-se estes condicionamentos concretos - há outras condições nas quais as leis podem, ou não, se verificar.

NO Capital, de Marx, há várias passagens sobre o significado de lei econômica. E, além da lei da concentração e centralização do capital, e da lei geral da acumulação capitalista, assume principalmente na valiosa herança ontológica do marxismo, a lei da maís-valia, ou a valorização do capital . Assim, Marx em sua notável obra vai adiante e analisa o valor em termos de sua forma, substância e magnitude. Isto porque a forma capitalista da lei do valor é a lei fundamental do movimento deste modo de produção, específica deste movimento, em oposição aos modos de produção anteriores. E por meio dele pode-se narrar seu nascimento e desaparecimento.

O sistema capitalista tem uma lógica: uma sede de lucros que o estimula para acumular e desenvolver sua produção. Pois bem, assim, a razão maior da crise econômica para Marx se devia que o capitalismo se baseava em premissas e desenvolvia elementos e mecanismos que o conduziam a uma crise recorrentemente e que, por fim, determinava a sua própria gradual e progressiva inviabilidade.

O capitalista não luta somente contra o trabalhador, mas também contra os próprios capitalistas. Para poder enfrentar a concorrência, os capitalistas precisam baixar custos e aumentar a produtividade. Mas, junto com esse movimento ocorre outro, ou seja, o capitalista desloca mão-de-obra, e a substitui por maquinaria. A força de trabalho viva é a única fonte de mais-valia. Ao diminuir sua contratação, a princípio ela cai em termos relativos com respeito a o capital investido e no final de maneira absoluta.

As novas inversões de capital tendem a aumentar os lucros e a estimular a produção, mas as novas inversões têm referência nas taxas de lucro esperadas, e se estas diminuem, também desestimulam os investidores, provocando a crise global, paralelamente, o aumento da produção individual ou setorial pode não ser acompanhado pela absorção da produção global.

A primeira premissa que conduzia a inviabilização era o processo de acumulação capitalista separa no espaço e no tempo a produção do valor, e sua circulação, que está intermediada pela moeda como meio de pagamento e medida da acumulação. O capitalista só conhece o seu lucro depois que as mercadorias são postas à venda. Se os preços caem abaixo do capital desembolsado ou são vendidos a uma taxa de lucro menor que a taxa média esperado, em decorrência de uma demanda menor do que foi prevista ao iniciar a produção ou por um incremento dos custos, não haverá mais-valia para o capitalista na quantidade desejada, e isso compromete toda produção futura.

A segunda premissa é que a própria irracionalidade do processo produtivo, é que a concorrência provocava a anarquia da produção. Muitos capitalistas competindo entre si, quase sem regras, terminavam por jogar no mercado manufaturados em excesso, provocando uma superprodução. Ao não conseguirem vendê-los, porque os salários dos trabalhadores eram baixos para consumi-los ou que as compras dos capitalistas fossem menor que o esperado (crescessem menos), dava-se à dificuldade de realização da produção. Os seus lucros então tendiam a decrescência fazendo com que os investimentos fossem suspensos, gerando desemprego e quebras em série.

Outra premissa devia-se ao fato de que o sistema produtivo no capitalismo não estava voltado para as necessidades sociais (para atender o consumo da população) e sim para satisfazer o lucro dos proprietários, provocando situações paradoxais (como por exemplo, num pais faminto os produtores de grãos queimarem a produção por não considerarem os preços ofertados atraentes).

A evolução do capitalismo, além disso, gerava um outro problema. Devido à concorrência, onde os mais fracos eram eliminados do processo produtivo pelos mais fortes, dava-se uma assustadora acumulação de capital em poucas mãos (concentração e centralização do capital). Quanto mais o capitalismo avançava menos gente era proprietária, mais estreitava número dos poderosos, menos sobrava aos demais, por outro lado implicava menor número de consumidores em comparação ao montante de mercadorias produzidas, implicando dificuldades potenciais de absorção da produção.

Para Marx a convergência de riqueza e de poder sob controle da classe burguesa provocava, num outro pólo social, o aumento da miséria da população e a proletarização dos indivíduos, produzindo cada vez mais um setor que lutaria pela sua derrubada.

Assim, Marx e Engels explicavam as causas das crises, como ficou entendido, em torno da dificuldade de realização e pela liquidação progressiva dos lucros que através da substituição de trabalhadores (capital variável, o trabalho vivo gerador de mais-valia) por máquinas (capital fixo), com o objetivo de incrementar a produtividade para derrotar a concorrência e aumentar os lucros levam a redução da taxa de lucro (relação entre o montante de lucro e percentual de trabalhadores e capital empregados) que por sua vez gerava crise pelo não atendimento do lucro esperado.

Para o futuro, a lógica de Marx conclui-se por uma acelerada, crescente e contínua incompatibilização dos fundamentos do sistema, o que pôde ter induzido a previsão errônea de um futuro "colapso do capitalismo". O capitalismo estava condenado pela História porque trazia em si mesmo o germe da sua destruição. A aceleração da riqueza e da miséria, simultâneas, - duas faces da mesma moeda - levariam a uma aguda luta de classes, resultando que, o capitalismo devastado seria superado por um outro sistema produtivo, mais justo e mais igualitário, à medida que seria sucedido por um sistema socialista, onde mesmo que transitoriamente, quem seria a classe dominante seria a maioria da população e a produção se faria coletiva e tecnificada permitindo no futuro que cada indivíduo recebesse segundo sua necessidade e participasse segundo sua capacidade.

O processo de superação do capitalismo, evidentemente, não se faria sem uma intensa batalha nas quais os capitalistas e seus aliados sociais tentariam evitar o seu fim. A consequência lógica disso seria uma revolução político-social que implantaria, através da Ditadura do Proletariado, o modo de produção socialista, no qual a propriedade privada dos meios de produção seria abolida, numa ação desse novo Estado, substituindo-a pelo controle, planejamento, gestão e apropriação coletiva da produção.

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