quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Uma explicação não-convencional para as crises no capitalismo

por Almir Cezar Filho
(atualizado em 28/01/2013) 

Nessas horas de graves crises econômicas todo o instrumental da Economia tradicional fica meio inadequado para explicar o funcionamento do capitalismo e a causa das crises. Recorrendo a Leon Trotsky, que possui alguns textos econômicos que oferecem uma perspectiva bem interessante para se investigar o momento, à medida que estes procuravam analisar a fundo, embora a décadas passadas, o funcionamento e a estrutura do capitalismo mundial. Os textos de Trotsky trazem consigo quatros novas visões sobre a dinâmica capitalista: (i) que as oscilações econômicas como a reconstrução permanente do equilíbrio capitalista, (ii) que esta dinâmica não se limita ao econômico strito sensu, mas abarca outras duas dimensões sociais, a política e a internacional, (iii) que as oscilações econômicas periódicas são provocada pelo próprio processo de acumulação de capital, (iv) que o desenvolvimento capitalista seria de certa maneira a própria dinâmica de longo prazo, o resumo e acúmulo das contradições e das forças produtivas constituídas ao longo da sucessão de crises e booms.

O equilíbrio capitalista
Se há de se falar da crise capitalista como um "desequilíbrio", Trotsky fala que no Capitalismo o equilíbrio é sempre dinâmico, em que esta dinâmica naturalmente se dá em um fluxo de construção e reconstrução. Assim diferente do que diz a Economia tradicional, Trotsky lembra que, o Capitalismo constrói, rompe/restaura e reconstrói esse equilíbrio em um processo contínuo. Porém, há que se ressaltar que apesar desse equilíbrio estar em permanente mudança, embora com períodos de maior duração da estabilidade, a dinâmica capitalista é resistente, provando a força do sistema e sua permanência, apesar dos períodos de graves crises. A crise não é portanto, uma momento de excepcionalidade, mas uma contraparte ao boom.
Em cada país, a agricultura prove à indústria com objetos de primeira necessidade para os operários e com bens para a produção (matérias-primas); por sua vez, a indústria provê ao campo objetos de uso pessoal e doméstico, assim como de instrumentos de produção agrícola. Deste modo se dá estabelecida certa reciprocidade. No interior da mesma indústria assistimos a fabricação de instrumentos de produção e a fabricação de objetos de consumo, e entre estes dois ramos principais da indústria se estabelece certa interação a qual passa por constantes rupturas para ser reconstruída sobre novas bases.
(“A Situação Mundial”)

O equilíbrio capitalista é um fenômeno complicado; o regime capitalista constrói esse equilíbrio, o rompe, o reconstrói e o rompe outra vez, alargando, de passo, os limites de seu domínio. Na esfera econômica, estas constantes rupturas e restaurações do equilíbrio tomam a forma de crises e booms. (...) O capitalismo possui então um equilíbrio dinâmico, o qual está sempre em processo de ruptura ou restauração. Ao mesmo tempo, semelhante equilíbrio possui grande força de resistência; a prova melhor que temos dela é que ainda existe o mundo capitalista.” (“A Situação Mundial”)
O equilíbrio dinâmico nas três esferas sociais
A dinâmica do capitalismo não é apenas econômica, mas também política e internacional, isto é, a dinâmica capitalista, e portanto seu equilíbrio, é tridimensional. A esfera política é a esfera das relações entre classes, que se manifesta principalmente no Estado e demais instituições, à medida que estas interferem na divisão social do trabalho. A esfera internacional é a esfera das relações entre os múltiplos Estados Nacionais, ao interferir na divisão internacional do trabalho. Portanto, a crise capitalista é o "desequilíbrio", não apenas em uma, mas das três esferas. 
Na esfera das relações entre classes, a ruptura do equilíbrio consiste em greves, em lockout, em luta revolucionária. Na esfera das reações entre estados, a ruptura do equilíbrio é a guerra, ou bem, mais solapadamente, a guerra das tarifas alfandegárias, a guerra econômica ou bloqueio. (“A Situação Mundial”. Pág.1)
E ainda, o equilíbrio capitalista não é apenas nacional mas internacional, à medida que esse sistema é mundial, portanto, se dá em dois níveis.
O equilíbrio capitalista está determinado por fatos, fenômenos e fatores múltiplos: de primeira, segunda e terceira categoria. O capitalismo é um fenômeno mundial. Tem conseguido dominar o mundo inteiro, como podem observar durante a guerra: quando um país produz demais, sem ter mercado que consumisse suas mercadorias, enquanto que outro necessitava produtos que lhe eram inaccessíveis. Naquele momento, a interdependência das diferentes partes do mercado mundial se faz sentir em todo situação. Na etapa alcançada antes da guerra [Primeira Guerra Mundial], o capitalismo estava baseado na divisão internacional do trabalho e no intercambio internacional dos produtos.
(...) Sem dúvida, esta divisão do trabalho não é sempre a mesma, não está sujeita a regras. Estabeleceu-se historicamente, e às vezes se tumultua por crises, competições e tarifas. Mas, em geral, a economia mundial se funda sobre o feito de que a produção do mundo se reparte, em maior ou menor proporção, entre diferentes países. (...)


Trotsky apresenta o conceito de equilíbrio dinâmico do capitalismo, a reação de equilíbrio nas três esferas sociais: a esfera das relações econômicas, a esfera das relações políticas ou da luta de classe e a esfera das reações inter-estatais ou internacionais.
(...) Há que considerar, ademais, o equilíbrio das classes baseado sobre o da economia nacional. No período anterior a guerra, existia uma paz armada, não somente no que se refere as reações internacionais senão - em grande escala - em quanto se referia a burgueses e ao proletariado, graças a um sistema de acordos coletivos referente aos salários; sistema levado a cabo pelos sindicatos centralizados e o capital industrial, a sua vez se centralizando mais e mais.
(...) Mais tarde se aborda a questão do equilíbrio internacional, isto é, da coexistência dos Estados capitalistas, sem a qual, evidentemente, a reconstrução da economia capitalista se faz impossível.” (Ibidim. Pág. 3)”


Boom e crise e  o desenvolvimento capitalista
Trotsky fala da reação entre os ciclos econômicos e o desenvolvimento capitalista, e a ligação dialética entre crise e boom. As oscilações econômicas marcam em si um processo contínuo e característico do próprio funcionamento, natureza e desenvolvimento do Capitalismo como sistema. Os momentos de crise, assim como os de boom, não são momentos que mostrariam que o Capitalismo, nem que caminha para seu fim, nem também que é um sistema equilibrado, ou que terá uma vida eterna. Mas sim, a crise apenas mostra que as contradições inexoráveis do desenvolvimento do sistema capitalista não foram superadas. Logo a dinâmica típica do Capitalismo é a oscilação periódica provocada pelo próprio processo de acumulação de capital, que tem seu auge no período de boom, e seu pior estado no momento da crise.
“(...) Em efeito, o capitalismo vive por crises e booms, assim como um ser humano vive por inalar e exalar. Primeiro há um boom na indústria, logo uma paralisação, logo uma crise, seguida por uma paralisação na crise, logo uma melhora, outra paralisação, e assim continua.
A alternância das crises e os booms, com todos seus estados intermediários, constituíram um ciclo ou um dos grandes ciclos do desenvolvimento industrial. Cada ciclo abarca um período de oito, nove, dez, onze anos. Se estudamos os cento trinta e oito últimos anos percebemos que a este período correspondem dezesseis ciclos. A cada ciclo corresponde, em conseqüência, pouco menos de nove anos: oito anos e cinco oitavos. Por razão de suas contradições interiores, o capitalismo não se desenvolve em linha reta, senão de maneira ziguezagueante: ora se levanta, ora caí. É precisamente este fenômeno o que permite dizer aos apologistas do capitalismo: “Desde que observamos após a guerra uma sucessão de booms e crises, se desprende que todas as coisas estão trabalhando juntas para o melhor do capitalismo.” Sem dúvida a realidade é outra. O fato que o capitalismo continue oscilando ciclicamente após a guerra indica, sensivelmente, que ainda não está morto e que, todavia não nos enfrentamos com um cadáver. Até que o capitalismo não seja vencido por uma revolução proletária, continuará vivendo em ciclos, subindo e baixando. As crises e os booms são próprios do capitalismo desde o dia de seu nascimento; acompanharam-lhe até a tumba. Mas para definir a idade do capitalismo e seu estado geral, para estabelecer se ainda está desenvolvendo-se, ou se já está maduro, ou se está em decadência, um deve diagnosticar o caráter dos ciclos, tal como se julga o estado do organismo humano, segundo o modo como respira: tranqüilo ou entrecortadamente, profundo ou suave, etc.
O desenvolvimento capitalista e a dinâmica de longo prazo
Trotsky também desenvolve a ideia de “curva de desenvolvimento capitalista” que desenrolar em um outro trabalho, exatamente com esse título, onde apresenta que a dinâmica do capitalismo é um processo de longo termo onde o desenvolvimento seria de certa maneira a própria dinâmica de longo prazo, o resumo e acúmulo das contradições e das forças produtivas constituídas ao longo da sucessão de crises e booms.
O fundo mesmo deste problema, camaradas, pode ser apresentado da seguinte maneira: tomemos o desenvolvimento do capitalismo (o progresso em a extração do carbono, a fabricação de telas, a produção do ferro, a fundição, o comercio exterior, etc.) nos últimos cento trinta e oito anos, e representamos-lhe por uma curva. Se nos movimentos desta curva, nós expressamos o curso real do desenvolvimento econômico, encontraremos que esta curva não oscila fazendo acima em um arco ininterrompido, senão em zigue-zagues, curvando-se fazendo acima e fazendo abaixo em correspondência com os respectivos booms e crises. Então, a curva do desenvolvimento econômico é um composto de dois movimentos: um, primário, que expressa o crescimento ascendente do capitalismo; e outro, secundário, que corresponde às oscilações periódicas constantes, reativas aos dezesseis ciclos de um período de cento trinta e oito anos. Nesse tempo, o capitalismo tem vivido aspirando e expirando de maneira diferente, segunda as épocas.


Desde o ponto de vista do movimento de base, é dizer, desde o ponto de vista do progresso e decadência do capitalismo, a época de 138 anos [133, incorreto em o original inglês, N. do T.] pode dividir se em cinco períodos: de 1781 a 1851, o capitalismo se desenvolvimento lentamente, a curva sobe penosamente; depois da revolução de 1848, que alarga os limites do mercado europeu, assistimos a um ponto de ruptura. Entre 1851 e 1873, a curva sobe de golpe. Em 1873, as forças produtivas desenvolvidas chocam com os limites do mercado. Produz-se um pânico financeiro. Em seguida, começa um período de depressão que se prolonga até 1894. As flutuações cíclicas têm lugar durante este tempo; mas a curva básica caí ao mesmo nível, aproximadamente. A partir de 1894 começa um novo boom capitalista até a guerra, quase, a curva sobe com vertiginosa rapidez. Ao fim, o fracasso da economia capitalista em o curso do quinto período tem efeito a partir de 1914.
Como se combinam as flutuações cíclicas com o movimento primário? Claramente se vê que, durante os períodos de desenvolvimento rápido do capitalismo, as crises são breves e de caráter superficial, porém que as épocas de boom, são prolongadas. No período de decadência, as crises duram longo tempo e os êxitos são momentâneos, superficiais, e estão baseados na especulação. Nas horas de estancamento, as oscilações se produzem ao redor de um mesmo nível.
Este aqui, pois, como se determina o estado geral do capitalismo, segundo o caráter particular de sua respiração e de seu pulso.” (Ibidim. Págs. 9-10)

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