quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Com a crise, cadê o Fukuyama? Marx vs. Hegel e o fim da História

por Almir Cezar Filho

A crise econômica, junto com os ataques as Torres Gêmeas ( talvez até mais do que elas), mostrou que a História não havia acabado, como proclamou Francis Fukuyama.
Muito pelo contrário, a História humana segue seu rumo (não se sabe em que direção), mas sabe-se que cada vez mais desembestada. O triunfo do neoliberalismo e o advento da globalização acelerados pelo fim da URSS , queda do Muro de Berlim e débâcle do Estado de Bem-estar social podem ter engano alguns ou sido usados como pretexto para defender essa sandice.

Fukuyama, esse moderno profeta liberal, nada tem de moderno. O triunfo do modo de vida burguês, pautado pelo seu Estado liberal e constitucional-parlamentar a mais de um século e meio foi celebrado como egresso no apogeu humano. Numa nova Era de Ouro. Que permitiria que a humanidade sem conflitos internos pudesse exercer suas potencialidades criativas e produtivas pela re-integração dos indivíduos uns com os outros, isto é, pelo fim da alienação, da incapacidade de perceber no outro um ser humano igual a si.

Fukuyama repetiu, ou melhor, apenas atualizar e recontextualizou o pensamento do filosofo alemão Hegel. Acrescentou a importância do livre mercado para a liberdade e manutenção do Estado Democrático. O fim da ex-URSS permitiu a unificação do mercado do mundo, consolidando o livre mercado, com a contribuição da internacionalização do capital e o fim do welfare state.

Hegel, foi um filosofo amado e odiado mesmo em seu tempo, é conterrâneo de outro filosofo que também suscita opiniões apaixonadas, Karl Marx, que por sinal, retirou-lhe a seu jeito muitas e preciosas idéias. Marx é mais completo que Hegel, e se tivesse sido adotado por Fukuyama, teria evitado que mancada mantido o Estado e o mercado entraríamos no fim da História. Veria ao contrário, se ambos reforçados, estaríamos num momento de intensificação dos movimentos, da dinâmica da própria História.

Idealismo x Materialismo

Anteriormente à Marx, Hegel elevou o Idealismo alemão ao seu ápice. Já Marx, através da sua teoria social do Materialismo Histórico e Dialético - cujos pressupostos estão contidos na obra A Ideologia Alemã - explica a realidade sob esse ponto de vista, tendo como ponto de partida as ações concretas dos indivíduos humanos historicamente determinados.

O idealista busca explicar a realidade através das idéias (como se estas determinassem aquelas); os materialistas vão em sentido oposto.
Há um dito que estabelece bem a relação entre Hegel e Marx: "Marx colocou Hegel de pernas para o ar" .

Diferenças quanto ao fim da alienação

Hegel não trabalhava com a Economia Política, que tem origem com os franceses mas teve seu ápice com os britânicos quase que simultaneamente a seu tempo.Hegel achava que o apogeu na sociedade humana encontrava-se no Estado, especialmente com o triunfo do Estado Burguês. Era o Estado que evitaria a alienação. Marx, começa seu pensamento negando Hegel, e em seguida negando a Economia Política Clássica inglesa.Para Marx, o Estado é instrumento de manutenção e realização da alienação. Somente sua supressão garantirá o homem integral (que plenamente gozará de suas potencialidades) ao re-identificar no outro seu semelhante e com este relacionar-se e pproduzir de maneira associada. O Estado impedi isso, media as relações humanas. Serve de instrumento de alienação. Alienação a serviço da dominação de um grupo social sobre o conjunto da sociedade.

A Economia Política clássica, inglesa, embora não falasse em alienação, afirmava que o mercado livre capitalista seria sim o instrumento de re-integração dos indivíduos, que seriam produtores atomizados, separados pela propriedade privadae pela divisão do trabalho. Contudo a propriedade privada e a divisão do trabalho garantiriam aumento da produtividade e busca racional pelo lucro.

Pelo egoísmo particular garatiria-se riqueza coletiva através do mercado.Marx critica dizendo que o mercado é espaço social não de integração mas de alienação, onde os homens se relacionam meramente através das mercadorias, ignorando-se mutuamente. Não há relacionamento entre sujeitos mas entre objetos. Fetichizando um objeto. E através da troca de mercadorias permite-se que alguns possam explorar a maioria, pois a minoria exploradora tem acesso desigual as propriedades privadas que são meios de produção, assegurando-as participação maior nos frutos do trabalho.

Contudo, através da alienação os indivíduos encaram isso com naturalidade.Somente a abolição da mercadoria, tal qual do Estado, permitiria o fim da alienação.

As condições para o fim da História

Marx também como Hegel acreditava que a História humana também podia acabar, mas não de acordo com que entendia Hegel.
Tanto poderia acabar como hoje os ativistas anti-guerras e ecologistas protestam, pela auto-destruição da humanidade por transformar as condições de vida humana em incompatíveis. Como por outro meio, pela ação consciente dos indivíduos produtores e associados, que em reação aos danos que o capitalismo proporcionam se organizariam para enfrentá-lo construindo uma nova sociedade onde a produção fosse coletiva e planejada.

Nessa nova sociedade haveria a abolição justamente daquilo que Hegel concluíra ser a condição sine qua non para combater a alienação, e ao contrário, Marx, concluíra que era sua manifestação moderna, o Estado burguês. O Estado agrega os indivíduos mas para oprimi-los a serviço de uma minoria que se beneficia disso para explorar a maioria.

Marx é mais completo que Hegel, e se tivesse sido adotado por Fukuyama, teria evitado essa mancada. Marx vê no mercado capitalista, na mercadoria e no capital, instrumentos que complementam o Estado na alienação. O Estado seria enquanto principal meio de alienação instrumento para através disso permitir que a mercadoria meio de produção (o capital), em posse de poucos (os capitalistas, também chamados burgueses), pudessem explorar a maioria de indivíduos que não têm essa mercadoria capital, enquanto que também os vende as demais mercadorias para o consumo.

Atualidade de Fukuyama

Nessa lógica interna, haverá sempre homens dispostos a querer possuir mais poder e riqueza, e outros dispostos a não se submeter e entregar. Ou que a ganância supera a próprio limite de gerar riqueza: as crises.

Esses movimentos das relações entre os homens constituem a História. Se a História não acaba, segue seu curso. Se o Estado e o mercado continuam segue-se a exploração do homem pelo homem e a alienação. Continuamos viver segundo os conflitos, as lutas, as convulsões e as crises.

Marx nunca foi tão atual, muito mais do que Hegel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário